Regina Sardoeira
Este tempo anormal que vivemos não é propício a eleições, porque a mente dos eleitores está sobrecarregada com todos os problemas advindos da situação vigente -a pandemia, o confinamento,etc. – e logo muito pouco disponível para escolher, com critério, o candidato certo para o cargo de Presidentes da República. Por isso, pensei e deliberei, para mim, que os votos expressariam, decerto, o ânimo dos portugueses, a sua preocupação e inerentes contradições.
Não fiquei surpreendida com os resultados de uma eleição anómala , levada a cabo num tempo anómalo.
Os eleitores uniram-se em torno da personagem que, durante este último ano, tem sido uma das suas figuras tutelares: e reelegeram Marcelo Rebelo de Sousa. Não seguiram as respectivas correntes partidárias, nem os líderes dos partidos, nem as ideologias…correram a abrigar-se à sombra daquilo que já conhecem. No outro extremo, perfilaram-se os descontentes, todos aqueles que, por esta ou por aquela razão, aspiram à mudança. E viram, na pessoa que acima de todas se salientou, o símbolo da transformação.
Esse candidato à presidência da República, apoiado por um partido que dá pelo nome de Chega!, nunca perdeu as oportunidades que os meios de comunicação social lhe facultaram com abundância, para se apresentar como uma espécie de Messias. Todos sabem o que é um Messias e muitos aspiram à sua intervenção.
Os votos dos portugueses dividiram-se, então, entre o Messias já conhecido, com provas dadas em cinco anos de vigência, na cadeira presidencial, e o outro Messias, anunciado em primeira pessoa como tendo capacidade para mudar o sistema. Assim mesmo, nem mais, nem menos.
Os votos restantes não constituíram surpresa de vulto. Uma candidata, sem apoio explícito de um partidomcujos adeptos se dispersaram, não reuniu consenso; os outros ressentiram-se, obviamente, dessa evidente corrida à protecção dos referidos Messias.
O meu objectivo não é, contudo, realizar uma análise política, se por política entendermos as diferentes perspectivas partidárias; mas será política se atendermos à etimologia da palavra, de origem grega, que remete para a participação plena dos cidadãos nos assuntos relativos à “pólis”.
Creio que os portugueses estão, de um modo geral, desmoralizados, deprimidos, perturbados, e logo muito afastados, emocional e cognitivamente, da disposição propícia a um acto eleitoral. Globalmente, as pessoas desejam segurança e estabilidade, querem poder retomar a vida que conheciam e enfrentá-la sem medos. Ora, não terá sido contraditório ou confuso para o povo, em geral, ser chamado para o voto (e logo, sair do confinamento,) para aceder a uma mesa de voto, aguardar numa fila, e tudo o mais que decorre de um acto como este?
Apesar do elevado índice da abstenção, o acto eleitoral foi validado. Porém, os resultados, assim como as reacções dos candidatos tiveram a marca da perturbação instalada.
Ocorre-me, pois, dizer que o tempo que vivemos não é ideal para a realização de ocorrências comuns que visem grande participação colectiva. Vive-se sob o signo do medo, da incerteza, da dúvida e os actos humanos trazem essa marca,. Nunca, como agora, assistimos à proliferação de vendas online, impotentes que estão os comerciantes para venderem os seus produtos nas lojas encerradas. E sabemos que todos aqueles espaços de consumo onde, habitualmente, nos acostumamos a ir, não encontrando um sucedâneo virtual, se encontram em risco.
Por isso, o acto eleitoral traduziu, expressamente, este clima psicológico; e os que, apesar dos condicionalismos, foram às assembleias de voto quiseram exprimir a sua necessidade de apoio e, bem ou mal, deram a sua confiança a um ou a outro dos salvadores.