Home>Cultura, Literatura e Filosofia>O QUE É A FILOSOFIA? – UMA PERGUNTA EXTEMPORÂNEA
Cultura, Literatura e Filosofia

O QUE É A FILOSOFIA? – UMA PERGUNTA EXTEMPORÂNEA

Regina Sardoeira

Deparei-me há pouco com um artigo cujo desafio inicial era a pergunta: “O que é a Filosofia?”
Esta pergunta, tantas vezes repetida, soou-me estranha, nas linhas dessa leitura. Como é possível, tantos séculos depois de terem sido inventados, quer a palavra, quer o conteúdo, haver uma tal ignorância, uma espécie de má vontade, um tremendo equívoco, relativamente a esta área de estudos tão densa e tão antiga quanto a própria humanidade civilizada?

As outras ciências nasceram dela; e deixem – me falar da Física.

Os primeiros filósofos de que há notícia, ainda que tenham recebido, mais tarde, essa designação, numa necessidade de organizar cronologicamente as diversas fases da Filosofia, eram os “Físicos”. E eram-no, exactamente, porque observavam a Natureza ( phísis ou Φύσις, em grego antigo) procurando compreender o seu funcionamento. Escapavam, desse modo, ao poder do mito que advoga a existência de forças ocultas que originam os fenómenos naturais, ou poderes mágicos e personagens fantásticas capazes de controlarem a dinâmica do mundo. Os primeiros físicos, no tempo recuado de há 26 séculos atrás, quiseram descobrir a origem do nosso planeta e dedicaram muito do seu tempo a tentar perceber qual dos elementos terrestres teria sido determinante. As respostas surgiriam, variadas e polémicas, mas, o que é notável, umas deram alimento às outras, por oposição ou similitude.

Vejamos, a título de exemplo, quais foram as descobertas dos sábios da Escola de Mileto, ou milésios, uma escola de pensamento fundada no século VI a. C. As ideias associadas a essa escola são exemplificadas por três filósofos da cidade jónia de Mileto, na costa do Mar Egeu, da Anatólia: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

Tales considerava a água como a origem de todas as coisas , Anaximandro denominou a energia vital como apeiron (“ilimitado”), uma substância indestrutível da qual a matéria derivaria. Anaximenes, o terceiro membro da Escola de Mileto, acreditava que a substância básica da existência era o ar, que ele denominou de “criador”: o ar era omnipresente e essencial ao crescimento de todos os objectos naturais. Embora os três filósofos discordassem quanto à substância primordial que constituía a essência do universo, todos concordavam a respeito da existência de um princípio único para essa natureza primordial.

Este foi o início da Física, cuja história é traçada a partir do momento em que a humanidade começou a ver e a analisar os fenómenos naturais de modo racional, abandonando explicações místicas ou divinas.

Os “Físicos” foram posteriormente designados como filósofos pré- socráticos, na medida em que Sócrates representou uma viragem no alvo da pesquisa, doravante centrada no homem.

A Biologia, de bios (βίος, em grego) , procede ao estudo do mundo vivo e remonta à antiguidade. Embora o conceito de Biologia, enquanto campo científico único e coeso, só tenha surgido no século XIX, as ciências biológicas têm origem nas práticas ancestrais de medicina e de história natural que remontam, entre outras, às obras de Aristóteles e Galeno, durante a antiguidade clássica.

É comum defender-se que o estudo da Matemática, como um tópico em si mesmo, começa no século VI a. C. com os pitagóricos, os quais cunharam o termo “matemática” a partir do termo μάθημα (mathema) do grego antigo, significando, então, “tema do esclarecimento”. A Matemática, entre os gregos antigos, englobava uma gama diversa de actuações como a aritmética, a geonetria, a astronomia, a música, a mecânica, entre outros. Tales de Mileto Pitágoras de Samos e Demócrito de Abdera foram alguns dos primeiros filósofos gregos, também reconhecidos como matemáticos.

Se continuarmos nesta pesquisa e referirmos Heródoto (485 a.C.– 425 a. C.) encontraremos nele a origem da História e da Geografia ; e a Psicologia, sendo o estudo da alma, psykhé (Ψυχή, em grego), vive com a Filosofia, como uma das suas componentes, desde Aristóteles.

Por muito que procuremos, não lograremos encontrar nenhuma ciência, nenhum estudo humano que não seja subsidiário da Filosofia. Os filósofos desse tempo eram conhecidos pelo seu interesse por tudo quanto os rodeava, não somente de um ponto de vista teórico, mas também na dominante prática.

Com o tempo, porém, as ciências alargaram os seus domínios, criaram métodos diversos na observação dos fenómenos e, a partir do século XIX, foram -se desligando da árvore-mãe, seguindo a sua linha especializante. A Filosofia parecendo, para certas correntes, nomeadamente para o positivismo, ter ficado sem objecto, transfornando-se num resíduo inútil e sem valor, portanto, nunca perdeu, de facto, a sua importância, já que todo e qualquer filósofo, digno desse nome, deve dominar os campos científicos, conhecer o trabalho dos especialistas a fim de poder pronunciar-se sobre o universo, o mundo, a sociedade, o homem – os seus conteúdos desde os primórdios.

Logo, e após uma brevíssima investigação, percebemos a profunda articulação da Filosofia com tudo o que é humano, quer na sua origem, quer no desenvolvimento, quer na sua expressão contemporânea. E assim esta interrogação, tantas vezes escutada, como se houvesse sido pronunciada uma palavra extravagante, ao invocamos a Filosofia, carece de sentido já que todos deveriam saber responder – lhe, sob pena de caminharem por aí em absoluta e confrangedora ignorância.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.