Isabel Madureira
Em 2020 foram assassinadas 30 mulheres, 16 em relações de intimidade.
A presente pandemia é um acontecimento catastrófico de consequências imprevisíveis e de consequências altamente previsíveis. Uma das consequências altamente previsíveis é o aumento da violência contra as mulheres e da violência doméstica. O aumento exponencial de casos covid-19 obrigou a um novo confinamento que obriga, mais uma vez, as vítimas a permanecer fechadas em casa com os seus agressores.
Considera-se crime de violência doméstica aquela que abrange comportamentos utilizados num relacionamento entre duas pessoas – casamento, união de facto ou namoro, seja presente ou passado – por uma das partes, com a finalidade de controlar e causar danos à outra parte. Estes comportamentos podem expressar-se sob a forma de maus tratos físicos, psíquicos, ameaça, coação, injúrias, difamação, abusos sexuais ou apresentarem ainda outras formas (por exemplo perturbação da vida privada, como controlo de conversas telefónicas, de emails, ameaça de revelar segredos e factos privados, entre outras).
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, já tinha alertado para o aumento da violência doméstica com o surgimento da pandemia da Covid- 19 e consequente confinamento social. Pediu medidas urgentes aos países para combater “ o horrível aumento global da violência doméstica”.
Este alerta obrigou, por exemplo, o nosso governo a criar novas estruturas de emergência para vítimas de violência doméstica, nomeadamente mais camas em casas-abrigo. Foi ainda lançada a campanha #SegrançaemIsolamento e os pedidos de ajuda deverão ser feitos para o Serviço de Informação a Vítimas de Violência Doméstica-800202148. Este número é gratuito e funciona 24 horas por dia.
O isolamento social e consequente confinamento são essenciais para combater a covid-19, mas, no que toca à prevenção da violência doméstica, é muito difícil prevê-la quando se vive 24 sobre 24 horas com o agressor. A quarentena tornou-se uma prisão para muitas mulheres, uma armadilha invisível e o habitat propício para milhares de agressores.
Os especialistas das Nações Unidas chamam a este flagelo “a epidemia escondida” e as medidas adotadas pelos diversos países só vieram exacerbar as condições ideais para a violência doméstica num espaço que deveria ser de segurança, a casa.
Segundo a ONU, os números já eram assustadores antes da pandemia. O Secretário-geral disse que as medidas de combate à pandemia da covid-19 têm como resultado um aumento dos casos de violência contra mulheres e meninas; combinação de tensões económicas e sociais provocadas pela pandemia, bem como restrições ao movimento, são algumas das causas.
De facto, nos últimos 12 meses 249 milhões de mulheres e raparigas entre os 15 e os 49 anos foram vítimas de violência. Os números subiram com a pandemia, embora se pense que muitas denúncias não foram efetuadas, devido à presença constante do agressor. A este propósito, Portugal criou ainda a linha-denúncia via SMS.
A covid-19 apenas agudizou situações de violência doméstica já existentes e os pedidos de ajuda, via telefone, aumentaram 180% face ao primeiro trimestre de 2019.
Com o confinamento, as pessoas estão muito tempo juntas e não estavam habituadas a isso e acabam por se saturar e não conseguem gerir as suas emoções. Por outro lado, a ansiedade, o pânico e a perspetiva de uma crise grave provocam tensão e levam à violência doméstica.
Dados do Observatório de Mulheres Assassinadas, em 2020 foram assassinadas 30 mulheres, 16 em relações de intimidade.
Desde o ano 2000 que a violência doméstica constitui um crime público e não é obrigatório que seja a vítima a fazer a apresentar queixa. Este crime pode ser denunciado por terceiro e não é exigível a queixa por parte dos envolvidos.
É um crime punível com pena de prisão de um a cinco anos. Qualquer pessoa que manifeste interesse em apresentar queixa deve dirigir-se ao posto mais próximo da GNR, a uma esquadra da PSP ou da Polícia Judiciária. Se não for possível dirigir-se a estas instâncias, pode ainda recorrer aos serviços do Ministério Público do Tribunal da sua Comarca ou aos serviços do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses. Pode ainda efetuar a denúncia através do telefone, pois a mesma é anónima e confidencial.
O ideal para que estes crimes não continuem, será não ficar calado. É um exercício de cidadania denunciar os casos que se conhecem, quando a vítima não o pode fazer.
Para concluir esta reflexão, devo reforçar a ideia de que os longos períodos de isolamento apresentam maior risco, fazendo escalar a violência e dificultam as poucas oportunidades de pedir ajuda. Seja um agente de saúde pública, esteja atenta aos sinais, sobretudo no que respeita às crianças, mulheres e pessoas idosas e denuncie.