Mateus Oliveira
Por estes dias, ainda estranhos, passa-se um ano desde que a pandemia nos tomou conta da vida. Num ápice, a normalidade suspendeu-se e os 365 dias que compõe o ano foram – antagonicamente – tão mais e tão menos. De facto, nunca um dia teve tantas horas contadas e, simultaneamente, tão poucas foram aquelas que vivenciamos de forma plena.
E, se nos deturpou o tempo, a pandemia roubou-nos também o espaço. Confinou-nos à esfera doméstica que, em muitos casos, tão mal preparada está para o que dela se espera e se exige, e o espaço público, palco de interações múltiplas e de vivências sociais fundamentais, viu-se abandonado.
Na inquieta dimensão dos dias, o afastamento substituiu o abraço como forma maior de afeto e os sorrisos, tantas vezes (es)forçados, passaram a ser absorvidos através de ecrãs. Turvou-se o contacto, mas não o sentimento. No meio de um enredo digno de M. Night Shyamalan, entre muitas outras coisas, descobrimos o que era o teletrabalho, passamos a dar mais valor à escola e timbramos, no passaporte da Portugalidade, um carimbo de reconhecimento ao SNS e, por consequência, aos profissionais de saúde.
Vimos familiares, amigos e conhecidos partirem demasiado cedo numa dolorosíssima chamada de atenção para a nossa efemeridade e, tão combalidos quão assustados, ousamos sonhar que seríamos melhores. Hoje, com a vacinas a carregarem a esperança de uma normalidade que não mais será a mesma, percebemos – tristemente – que o sonho coletivo de que a pandemia faria emergir o melhor de nós enquanto sociedade se esfumou e que somos uma versão ainda mais mesquinha do que éramos. O altruísmo e o seu inerente propósito de um bem comum são, diariamente, vilipendiados por muitos que, cegos pela desonestidade intelectual – e imoral – que os alimenta (na verdade consome…), veem na desgraça comum mais um momento de oportunismo. Político, económico, social. Mas também vimos o outro lado. O dos inconformados. O dos que puderam mão à obra e ‘perderam’ para dar de si antes de pensar em si. Infelizmente esses são, quase sempre, menos. O que desejo, passado um ano, é que a introspeção potenciada pela pandemia permita que esses um dia sejam mais. Porque nada mais voltará a ser igual e, no fundo, porque tudo ficará na mesma.