Cultura, Literatura e Filosofia

O SEU A SEU DONO

David Amaral 

Paulo de Carvalho disse, há alguns dias, que ele e Fernando Tordo foram dos músicos que mais fados compuseram para Carlos do Carmo, mas esse facto raramente é referido, associando-se habitualmente a música a quem a canta, omitindo-se os seus autores.

É legítimo, e está consagrado na lei, o direito de cada pessoa ao reconhecimento da propriedade intelectual que “é um conjunto de direitos que abrange as criações do conhecimento humano – criações intelectuais e divide-se em duas grandes áreas – Direito de Autor e Direitos Conexos e Propriedade Industrial” (IGAC, 2021).

Os direitos de autor e os direitos conexos (cantor, músico, produtor,…), visam a proteção das criações intelectuais literárias, científicas e artísticas que sejam exteriorizadas: texto, música (ou letra/música), imagem, fotografia, filme, peça de teatro, livro, trabalho de investigação ou outra obra artística. Perdoem-me as milhares de criações que não referi.

O direito de autor não depende do registo da obra, embora se aconselhe. O autor tem dois tipos de direitos: o direito moral em ter o seu nome reconhecido e citado, e o direito patrimonial que permite autorizar, ou não, a utilização da obra e, caso entenda, exigir a devida compensação financeira.

Num período de inatividade do setor cultural e em que tantos se mostram preocupados com a sobrevivência dos artistas, utilizam-se as suas obras nos mais diversos espaços, físicos e virtuais, atividade comercial, comunicação social, entretenimento, internet, tirando-se proveito daquilo que não é seu e não compensando os seus criadores. O direito de autor, em muitos casos, é a única fonte de rendimento do próprio.

O pior exemplo vem da internet, de plataformas tão úteis como o Youtube, e para a qual legalmente também é necessária a autorização de utilização. Em muitos casos, há o uso ilícito de obras, especialmente música, e benefício económico de quem as publica (visualizações, likes, publicidade), omitindo o autor ou identificando-se como tal.

A legislação permite exceções na utilização de excertos da obra, mantendo-se, no entanto, os direitos morais de identificação dos autores, e era a isso que se referia Paulo de Carvalho.

A utilização de frases ou textos sem a referência ao autor ou à fonte é plágio e é outra questão negligenciada. A área da propriedade intelectual e do direito de autor é tão complexa que existe um tribunal próprio para o julgamento de casos nesse âmbito.

Como coautor do manual 100% Música constato diariamente a cópia e a publicação integral de textos, músicas e imagens, sem a introdução de qualquer mais-valia pedagógica ou sequer a identificação da fonte ou autores.

A televisão não dá o melhor exemplo quando não identifica os autores dos temas ou confunde com quem os canta: “Melhor de mim” não é da autoria da Mariza, mas de AC Firmino/Tiago Machado; “Guitarra toca baixinho” não é de Francisco José (só se for a tradução), mas de Nicola di Bari e “The Sound of Silence“ não é, naturalmente, dos Disturbed.  Aliás, ‘perturbado’ fiquei eu quando li isso. E o Garfunkel? A autoria é de Paul Simon e, no máximo, terá direitos conexos.

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