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Cultura, Literatura e Filosofia

OS LIVROS QUE DECIDIMOS NÃO LER

Maria João Covas

Hoje não vamos falar de um livro, vamos falar de todos os livros que lemos, ou melhor, vamos falar de todos os livros que decidimos não ler. Não aqueles que são de um escritor que já suspeito, à partida, não ir gostar, mas dos que depois de algumas páginas decidimos não ler. Será que eu, leitor, tenho o direito de não ler?

Esta reflexão, pessoal e interior, veio-me do facto de apenas neste mês de março ter decidido deixar de ler três livros. Atenção que não se tratou de uma decisão gratuita. Um li metade, o outro acabei por ler um terço (embora fosse uma segunda tentativa e a primeira já não tivesse corrido muito bem) e do terceiro li cerca de 30 páginas.

Começo já por dizer que o problema com estes livros foi meu (talvez de um deles fosse mesmo do livro) e da minha falta de capacidade de entender a construção dos mesmos. Um não tinha uma construção narrativa que me prendesse e os outros dois tratou-se mesmo de um problema de escrita, sendo que esta não dialogou comigo.

Posto isto apareceu-me a questão. Será que tenho o direito de não ler um livro? O problema surge, e para um leitor ‘profissional’ ainda mais, da convicção de que posso estar a perder um desenvolvimento brilhante (embora em 99% dos casos de insistência isso não aconteça) e a deixar de lado a última maravilha em livro. Quando era mais jovem obrigava-me a ler o livro até ao fim, sendo o abandono uma hipótese que não se punha. Mas a sensação de frustração posterior era também algo que surgia quase na mesma proporção. A sensação de que estivera a usar algum tempo que me faria falta para ler o livro seguinte e, esse sim, brilhante. Por que temos de confessar que a leitura de um livro 5 estrelas, ‘favoritado’, como dizem os nossos irmãos do Brasil, é um prazer que não se consegue transmitir em palavras e que nos faz sonhar, ir para outros mundos, dialogar com as personagens ficando mais ricos e, desculpem a hipérbole, melhores pessoas (se querem uma sensação destas leiam O Sítio do Lugar Nenhum de Norberto Morais).

Hoje a ideia é diferente e a resposta também. Sim, eu leitor tenho o direito de não ler. Se o escritor tem o direito de escrever o que quer, quando quer, também eu, leitor, tenho o direito de adiar uma leitura, ou até de decidir não ler. Se o livro não me cativa, se a história, na minha opinião, está mal construída, se as personagens não dialogam comigo, nem se tornam minhas companheiras, sim, eu tenho o direito de não ler esse livro. A vida está cheia de bons livros que nenhum de nós vai ter tempo para ler, a vida está cheia de livros menos bons, mas que nos enchem a alma e o ser e que não vamos conseguir ler, a vida está até cheia de livros maus que, nalgum momento, seriam os que nos preencheriam um vazio ou nos distrairiam das amarguras da vida real, mas aos quais não conseguiremos chegar para ler.

Por tudo isto hoje eu abandono a leitura de um livro, dois, ou mesmo três, num único mês. Até porque estou certa o livro que acabei de tirar da estante será o livro da vida. Mas… se não for… não faz mal… haverá sempre um outro.

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