Ana Miranda
Anteriormente designada por Dismorfofobia, a Perturbação Dismórfica Corporal carateriza-se por uma preocupação excessiva e pertinaz com um dado defeito físico/imperfeição, real (pouco visível) ou imaginário, da qual resulta um sofrimento clinicamente significativo, associado a um prejuízo notório do funcionamento social, afetivo e ocupacional (fruto de estados severos de ansiedade e stress, provocados pelo receio infundado de que a aparência física possa ser julgada/percecionada de forma negativa). Esta preocupação patológica – que pode adquirir caratér múltiplo, quando se trata da envolvência, em simultâneo, de mais do que uma parte do corpo – é intrusiva, indesejável e, na generalidade, de difícil controlo; ocorrendo, em média, três a oito horas por dia.
Para além das analogias recorrentes entre si e os demais, associadas à imagem, que o sujeito que sofre de uma perturbação deste espetro efetua, são comportamentos ritualizados seus: a procura incessante da confirmação atinente ao defeito percebido; a pesquisa sucessiva de informação sobre esta mesma “imperfeição”; o evitamento de situações sociais ou de intimidade, onde o dito defeito possa ser notado (se houver participação nas mesmas, ela ocorre, amiúde, sob o efeito de bebidas alcoólicas ou substâncias psicoativas); a recusa em tirar fotografias; a ocultação do “defeito” utilizando as mãos ou recorrendo a alterações de postura; o uso excessivo de maquilhagem, roupa ou chapéus/lenços para camuflar a “anomalia”; a verificação, de forma repetida, da parte corporal, em espelhos ou outras superfícies refletoras e a tendência para sobrevalorizar a aparência física em detrimento de outras caraterísticas/capacidades. Também a recorrência permanente à cirurgia estética se configura, aqui, como um esteio ardiloso que visa aplanar o desconforto ocasionado pela suposta “deformação”, onde se continua a percecionar a parte do corpo corrigida como defeituosa ou se produz transferência de preocupações para outra parte do corpo distinta da anterior.
A Perturbação Dismórfica Corporal surge, comummente, na adolescência; e está agremiada a taxas de ideação suicida, tentativas de suicídio e comorbilidade elevadas. Para que o distúrbio se manifeste, para além de uma predisposição individual, podem arreigar-se ao mesmo questões de ordem biológica, psicológica, social e cultural.
O plano de tratamento da patologia deve basear-se na severidade dos sintomas, na existência de outros problemas associados e na preferência do paciente. A Terapia Cognitiva Comportamental tem sido apontada como a mais eficiente, trabalhando-se em contexto de gabinete, as crenças desajustadas e os comportamentos compulsivos ou ritualísticos que mantêm o distúrbio (e.g. reestruturação cognitiva, exercícios de exposição com prevenção de resposta, monitorização comportamental, psicoeducação). A par da psicoterapia, a combinação medicamentosa pode, em alguns casos, demonstrar-se proficiente, estando a envolvência da família neste processo, afiliada a prognósticos otimistas.
Indico o destaque contemporâneo conferido à exacerbação da imagem nas redes sociais e as dinâmicas deletérias e eversivas praticadas nos recintos e salas de aula de muitas escolas portuguesas como possíveis propulsores de perturbações desta natureza. Como tal, lanço o repto de nivelamento da exposição e consumo doseado de Instagram, bem como da sentinela acurada, realizada por quem de direito, dos espaços promotores de contusões emocionais compactas.
Se há atitudes que, quando exercidas/empregues, fornecem uma escora sustentável da saúde mental, porque continuar a prodigalizar?