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Saúde e Vida

O MUNDO AZUL DA PEA

Ana Marinho Soares

O dia 2 de Abril é o dia de consciencialização do autismo. Para muitos, numa imagem “rotulada”, o autismo caracteriza alguém não verbal e que se isola. Essa imagem é extremamente redutora e nem sempre corresponde à realidade de muitos autistas. Hoje escrevo para promover essa consciencialização, para que “rótulos” sejam quebrados e para que se compreenda melhor esse “mundo azul”, como alguns o chamam.

Primeiro é importante perceber que a imagem do autismo clássico, atualmente, é apenas uma tonalidade do autismo, num gradiente de tons que compõem a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). O que quero dizer com isto? Quero dizer que, se de facto, num plano do espectro temos a criança ou o adulto não verbal, no outro extremo podemos ter a criança que com 3 anos de idade fala português, inglês, alemão, escreve e toca piano. E entre estes dois pólos existe uma infinidade de gradientes, com tantas tonalidades como o número de autistas no mundo. Porquê? Porque ninguém é igual a ninguém, sendo ou não sendo autista.

Mas então, podendo ser tão diferentes entre si, o que partilham as pessoas com PEA? Todos os autistas apresentam dificuldades de comunicação, de linguagem e de socialização. Essas dificuldades podem ser mais ou menos graves, mais ou menos incapacitantes.

Quem tem PEA não deixará de a ter pois trata-se de uma perturbação do neurodesenvolvimento, contudo quanto mais precoce for o seu diagnóstico e o início das terapias, maior a probabilidade de ganhos. Digo com isto que dentro da PEA se poderá deslizar “gradientes”, para uma “tonalidade” menos grave, menos incapacitante. Sempre que houver dúvidas sobre algum aspecto do desenvolvimento da criança, seja porque ainda não adquiriu uma determinada competência esperada para aquela idade, ou então que tenha adquirido competências muito mais cedo do que o expectável, deverá expor a situação ao médico de família ou ao pediatra para avaliação adequada, e se se justificar ter uma intervenção precoce.

Se estiver em contacto com alguém com PEA é importante saber que:
– Alguns autistas não verbais têm outras formas de se comunicar. Alguns comunicam-se através de imagens, podendo por exemplo mostrar-vos uma imagem de um copo com água quando estão com sede . Outros só precisam de um papel e de um lápis, para escrever, e escrever muito bem!
– Muitos autistas sentem-se desconfortáveis com determinados estímulos. Por exemplo, um barulho que para nós seja irrelevante, para um autista pode ser percecionado como muito intenso, até doloroso, deixando-o nervoso e podendo iniciar uma crise. Neste exemplo, fazer cessar esse barulho pode ser o suficiente para o ajudar.
– Os autistas verbais apresentam dificuldade na interpretação de segundos sentidos, levando tudo o que se diz “a letra”. Se alguém, por exemplo, disser “vai dar banho ao cão”, muito provavelmente o autista vai achar que está realmente a dizer para ele dar banho a um cão. Os autistas são desprovidos de sarcasmo ou de ironia, por isso não a irão compreender.
– Alguns autistas têm dificuldade em olhar diretamente para os olhos de outras pessoas, e preferem não estabelecer contacto visual direto, sentindo-o como algo agressivo. Não forçar esse contacto pode ser simpático da sua parte.
– Os autistas sentem as mesmas emoções dos não autistas, embora muitos não consigam (nem reconheçam) uma expressão facial que a traduza. Podem estar tristes, mas não o notará no seu olhar, podem estar felizes e não o reconhecerá num sorriso. Portanto, uma expressão nem sempre traduz uma emoção ou um sentimento.
– Os autistas podem ter estereotipias motoras, por exemplo balançar o corpo, ou flapping das mãos. É simplesmente uma forma que alguns encontram para os ajudar a acalmar e concentrar. Lembra-se de quando roía as unhas?
– O facto dos autistas terem dificuldade de socialização, não quer de todo dizer que muitos não se queiram relacionar com pessoas e ter amigos! Eles apenas têm dificuldade em estabelecer essa relação.
Portanto a consciencialização permite-nos perceber que existem outros mundos que coexistem com o nosso, nesta enorme neurodiversidade que nos caracteriza como seres humanos, e percebermos um pouco a “linguagem” de alguém que tem dificuldade em perceber às vezes a nossa. Será simpático da nossa parte dizer-lhe “olá” de uma outra forma e respeitando o seu “mundo azul”.

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