Regina Sardoeira
Esta crónica vai ter características diferentes das que me são habituais. Percebi que, de vez em quando, escrever textos no Facebook produz controvérsia e que alimentá-la um pouco pode gerar confronto de ideias do qual é possível extrair resultados. Decidi, então, tomar como base os textos que publiquei, há uns dias , citar alguns comentários mais expressivos e construir, deste modo, a minha crónica.
Comecei assim:
8 de Abril de 2020
“MATAR UM, PARA SALVAR CINCO?
“Penso que um caso, apenas um, de trombose ou morte provocado pela toma da vacina (AstraZeneca ou outra) é suficiente para evitá-la rigorosamente. Dizer que “os benefícios compensam os riscos” é uma afirmação que não faz qualquer sentido (neste contexto específico). Em primeiro lugar: quais são, exactamente, os benefícios? Ninguém, nem mesmo o mais reputado especialista, pode garantir um único benefício, porque este fármaco é experimental e quem toma a vacina não passa de uma cobaia. E quanto aos riscos? Morrer uma pessoa, ou dez, ou cem é um risco que vale a pena correr em prol de benefícios globais não confirmados?
Supor que a vacinação maciça afastará o vírus é uma espécie de ilusão: o vírus estará aí e encontrará mutações que tornarão as vacinas inúteis! Não consigo perceber o raciocínio dos que aceitam ser vacinados mesmo tendo ao dispor estas e outras informações, das quais precisarão de fazer a respectiva triagem!
Stuart Mill no seu utilitarismo ou consequencialismo propugnava a “utilidade” de sacrificar um para salvar cinco: é necessário pensar nesse “um”! Se esse “um” formos nós? Um filho?
É imperativo pensar lucidamente. “
Seleccionei o comentário seguinte:
“Qual o seu conhecimento científico para contradizer outros conhecimentos científicos? (pergunto sem qq malícia, apenas para eu poder tentar acreditar na sua análise.”
Carlos Ferreira Caetano, Facebook, 8 de Abril
E respondi:
“Carlos Ferreira Caetano : o meu conhecimento, neste âmbito, é, provavelmente, idêntico ao de muitas pessoas que observam, analisam e tiram conclusões com base nesses procedimentos. Não sou especialista em virologia e, por isso, não estou a “contradizer outros conhecimentos científicos”. A minha análise decorreu da verificação de polémica em torno desta vacina, polémica que, aliás, está ainda em curso. Creio que toda e qualquer pessoa entenderá facilmente que um medicamento ainda em fase experimental não é confiável. E mesmo os outros fármacos, já implantados, trazem um folheto informativo, onde as advertências relativamente ao seu uso, a lista dos efeitos secundários, as interacções medicamentosas, etc. são especificadas. Existe, apenso a esta vacina, um folheto idêntico com a composição do produto, as precauções, os efeitos secundários, etc.? E, tendo por alvo imunizar relativamente ao vírus, por que razão há vacinas diferentes, consoante os laboratórios e todas elas vigentes quanto à sua aplicação? Sei que uma vacina, qualquer que seja, tem, na sua composição, extractos do próprio vírus que, ao serem injectados, fazem com que o corpo produza resistências e se torne imune. Logo, é muito provável que uma tal invasão provoque, no organismo, sintomas idênticos, mais ou menos graves, aos que resultam da doença em si. Não temos, obrigatoriamente, de ser todos cientistas para sermos capazes de entender estes e outros factos; de igual modo, ouvir as palavras dos alegados especialistas, tantas vezes em desacordo, e segui-las à risca, sem espírito crítico, parece-me equivalente a passar a si mesmo um atestado de menoridade.Cientificamente falando, vivemos uma época de “ciência extraordinária” ou ” crise científica”; deu-se a “ruptura do paradigma” anterior e ainda não surgiram as condições de regresso a um novo paradigma. Este modo de conceber o progresso científico surgiu no século XX, com Thomas Kuhn – físico e filósofo da ciência norte-americano. O seu trabalho incidiu sobre história da ciência e filosofia da ciência, tornando-se um marco no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico. (1922-1996)
Como não há certezas neste momento de experimentações, o valor e a verdade da ciência encontram-se em aberto.”
Resposta:
“Ok, obrigado pelo esclarecimento. Trata-se, portanto de uma simples opinião. Muita saúde.”
E eu disse:
“Não. Eu já ultrapassei a fase da opinião. Quando falo ou escrevo, avanço para lá da “doxa (opinião, em grego, e degrau mais baixo do conhecimento)”, pois o meu patamar, na escalada do conhecimento, está mais para além. Todo aquele que lê ou ouve precisa de desbravar esta destrinça. E o assunto em questão é demasiado importante para ser discutido ao nível da opinião. Obrigada pelos votos de muita saúde, que retribuo.”
Outro leitor comentou assim o meu texto inicial:
“Desta vez esteve profundamente infeliz, Regina Sardoeira” (Eliseu Pinto)
E eu comentei de volta:
“Eliseu Pinto nem pensar. Tudo o que afirmo é facilmente comprovado. Não sou utilitarista ou consequencialista e acho profundamente contra a ética fazer experiências com a vida humana. Prestou atenção ao facto de, no início, a referida vacina não dever ser aplicada a maiores de 65 anos e, algum tempo depois, ser indicada para maiores de 60 anos e não para as outras faixas etárias? O que significa esta contradição a não ser que, observados os efeitos, se percebeu que a primeira hipótese estava incorrecta? E que me diz da evidência, relativamente à vacina dos professores, que foi agendada para este fim de semana, e adiada por uma semana, sem mais explicações? Na ciência, pelo menos no método clássico, observa-se, induz-se uma hipótese, verifica-se essa hipótese, tantas vezes quantas forem necessárias, e só depois se avança para o estado de lei. Neste caso, a hipótese passou a lei antes da suficiente verificação experimental e instituiu-se, como lei, o que, afinal, não o é!
Como em situações epidémicas anteriores, acredito nas vacinas como condição de imunidade. Mas ainda não há resultados suficientemente credíveis para aceitar que estas vacinas têm esse poder e talvez as certezas só sejam alcançadas daqui a muito tempo. Eis o sentido do meu texto, que acha “profundamente infeliz”.”
Assim se estabeleceu um diálogo sincopado em torno de um problema que afecta a humanidade, por estes dias.
Não sou, em geral, contra as vacinas, pois conheço a história deste meio de criar imunidade e, como todos, fui vacinada muitas vezes. Mas esta situação de incerteza e de polémica em torno de um laboratório específico, cujo produto se tem revelado potencialmente perigoso, levou-me a sentir necessidade de fazer uma abordagem, tão aprofundada quanto possível, da questão.
Vejo que a colocação de tantas marcas da vacina no mercado, num curto espaço de tempo e logo sem o necessário intervalo de testagem, corresponde a uma tendência comercial tão própria deste tempo. A consequente compra das vacinas e a sua aplicação imediata representam a necessidade que o(s) governo(s) sente(m) de dar resposta ao problema que é seu (enquanto órgãos dirigentes responsáveis pelos cidadãos mas também no desejo de manter o prestígio). A corrida aos postos de vacinação por parte das pessoas, sem buscarem esclarecimentos prévios, é sinal de desespero e/ou de confiança absoluta nas chefias.
Ora, a pressa, o desespero, a confiança excessiva, sem critério, são sintomas de uma crise que ultrapassa largamente a questão estritamente sanitária indo directa ao cerne dos grandes problemas da humanidade.
Urge perceber que este momento concreto que estamos a viver, enquanto humanidade, não surgiu, bruscamente, com a irrupção do vírus e a pandemia: a crise humanitária tem vindo a ser anunciada através de múltiplos sinais.
Há a questão premente do aquecimento global com visíveis consequências no planeta e para o qual tem contribuído, largamente, o comportamento irresponsável do homem. Há fome no mundo em resultado da má distribuição dos recursos e da sua apropriação abusiva levada a cabo pelos países ricos e mais influentes. Há uma crise nos sistemas políticos e consequente descaracterização das democracias, marcadas pela corrupção e abuso de poder. Há fortes sinais de discriminação e de racismo perpetrados por homens contra homens. Há uma decadência nítida dos valores culturais, acentuada iliteracia, descrédito dos mestres, superficialidade do saber a transmitir e do estudo, cada vez menos exigentes. Há um culto tecnocrático, digital, baseado no trato virtual, uma dependência dos ecrãs e da informação compactada de credibilidade suspeita. Há muito mais ainda, tanto que dificilmente poderia incluí-los todos neste contexto. O certo é que a humanidade entrou num impasse e a virtude da pandemia, se alguma existe, com todo o séquito de consequências bem conhecido de todos poderia ser a tomada de consciência profunda da crise do mundo humano.