Maria João Covas
João Tordo, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares são escritores consagrados, consensuais, como sendo dos melhores escritores da sua geração. Aliá, João Tordo ganha o Prémio José Saramago com o seu terceiro livro.
Mas… e o primeiro? Como foi publicar o primeiro livro? Quem leu? Quem fez opinião?
São estas as questões que ponho a mim mesma sempre que me deparo com um primeiro livro de um autor nacional, seja publicado por uma editora ou seja uma edição de autor.
Quantos Tordos, Peixotos ou M. Tavares passaram despercebidos por não lermos obras iniciais ou, o que é ainda pior, por não lermos autores nacionais?
E pergunta o leitor a que propósito vem esta conversa? Vem muito a propósito porque li dois primeiros livros que em comum apenas têm o facto de serem de autores nacionais. E no entanto, cada um à sua maneira, na minha opinião, são escritos por autores que daqui a 10 anos poderão ser os ‘nomes’ desta geração que agora desponta. Estou a falar de Lénia Rufino e de Bruno M. Franco.
Mas vejamos livro por livro. Primeiro as senhoras.
Lénia Rufino é uma jovem com ascendência alentejana e é no Alentejo que se passa este seu primeiro livro. Um Alentejo que se mostra em dois tempos: 1968 e 1992. No primeiro temos um Alentejo moro de trabalho, longínquo de tudo, onde o poder é exercido por quem pode; o padre. Que o diga Lurdes, a jovem a quem tiram tudo menos a dignidade, a esperança e o sonho. Quem controla o pensamento. Ninguém senão nós mesmos.
Em 1992 somos apresentados a Isabel, filha mais nova de Lurdes, curiosa de profissão. Será através da voz de Isabel e da escrita de Lurdes, dos seus diários, que conhecemos a história de vida que fará Isabel descobrir uma mãe diferente. Mas também é Isabel que nos dá a germinação da mudança de atitude face a esse poder institucionalizado. E eu que não sou alentejana descubro uma planície diferente daquela que o imaginário literário, povoado por Manuel da Fonseca, me tinha dado. A Lénia cria as suas personagens de forma forte, coesa, criando assim também ela um outro imaginário. Junta a isto uma escrita sublime, subtil onde tudo é dado com rigor, mas, ao mesmo tempo, com elegância a e carisma. A raiva vem da situação, não da escrita que é irrepreensível.
Também irrepreensível é a escrita de Bruno M. Franco. Um rapaz das ciências que se aventura a lançar um policial/thriller passado em Lisboa e na Margem Sul (um Alentejo perto da capital).
Aqui quem nos acompanha é um rapaz de vinte e poucos anos que se vê envolvido num problema do passado que ele não sabia existir. Verdade seja dita ele nem sabia, sequer, o seu passado. O Bruno cria uma história de ação, crime e segredos que o leitor quer acompanhar, descobrir e revelar. Sendo graficamente descritivo tudo fica marcado na nossa mente e conseguimos entrar naquela vida, naquela história como se Carlos fosse nosso amigo. Para juntar a toda esta trama a dupla de investigadores (Leonardo e Marta) são um núcleo que esperamos ver em outras obras.
E a última pergunta é: todas as primeiras obras têm esta qualidade? Não, claro que não. Mas asseguro-vos que temos de arriscar porque livros como estes dois são imperdíveis.