Regina Sardoeira
Vencer o desejo de avançar no tempo e assistir à abertura de novos horizontes, em vez de continuar a desdobrar as páginas infindáveis da desgraça, parece-me ser uma tarefa inglória. Oiço muito aquela expressão de conformismo, usada a propósito de dramas individuais e colectivos : Vamos viver um dia de cada vez., e reflicto acerca da possibilidade da sua aplicação, na prática. Vejo que, sem nos darmos conta, avançamos constantemente para amanhã, para daqui a um mês, para o ano, e, quando surge o imprevisto nesse percurso que traçáramos para depois, sentimo-nos defraudados. Inevitavelmente, perdemos o momento de fruição – este mesmo – ocupados com o devir, o que há-de ser, o futuro, portanto.
Os mais jovens dizem, com frequência: “Quando for grande, quero ser alguém!” E ficam reféns desse momento ulterior, situado não se sabe onde, descrentes da hora em que lhe falam da sua menoridade e do trabalho que deverão fazer para se ultrapassarem.
Como viver cada dia, cuidadosamente encerrado nos limites das suas vinte e quatro horas, e nunca desejar que a tarde avance ou a semana ou o mês? Como suportar o rigor do Inverno sem projectar a imaginação mais para a frente, antevendo os dias cálidos e longos, vividos ao ar livre, à beira-mar, na liberdade do tempo de férias?
Creio que somos seres extemporâneos, virados para o futuro, não aprendemos (e talvez essa aprendizagem nos seja impossível) a cingirmo-nos ao segundo, de que não damos, sequer, conta, e enchê-lo de significado.
Rudyard Kipling, no seu belo poema “If” ou “Se”, apela a esse intenso trabalho de recuperação do instante. E escreve:
“If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And – which is more – you’ll be a Man, my son!” Rudyard Kipling (1865-1936)
“Se puderes preencher o minuto inexorável
Com sessenta segundos de distância percorrida…”
Eis aqui o trabalho mais difícil, a imensa tarefa de viver cada segundo do minuto, o inexorável, e de todos os outros sabendo que são segmentos úteis do caminho percorrido, esses sessenta e os restantes dos inexoráveis minutos da vida – porque todos o são – no usufruto da vida em pleno, traria para a humanidade, possivelmente, a paz e a integridade.
Fazer planos, traçar objetivos e metas, definir estratégias de avanço, almejar o progresso parecem ser actos meritórios, dignos da superioridade do homem. E contudo, o minuto inexorável, aquele único, perdido nos outros todos e os seus sessenta segundos, talvez, se vividos, cada um, na sua potência máxima, decerto deitariam por terra os planos, os projectos, os objectivos.
Mas o homem não aprendeu a viver assim, antecipa constantemente os instantes da vida, esquece-se de fruir o momento; e quando o futuro lhe acontece descobre que ele não é nada do que projectou.
Irrazoabilidade contínua e total dispersão de esforços travam a plenitude do ser humano. E também essa verificação está impressa no final do poema de Kipling já que só a vivência integral do minuto inexorável permitirá que a Terra pertença ao homem e tudo o que nela existe e – mais importante ainda – que cada um seja, verdadeiramente, um homem!