Mateus Oliveira
A ‘redefinição’ profissional que ousei fazer este ano, tem-me permitido uma cada vez maior vivência do espaço urbano não só na minha cidade, Penafiel, como noutras onde vou trabalhando. Este aspeto, tem-me permitido perceber – de uma forma diferente – as dissemelhanças que existem na organização e no planeamento (ou falta dele) das mesmas e, consequentemente, na forma de as viver.
Para alguém que, como eu, tem o privilégio de desenhar cidades, este exercício – que agora posso fazer de outra forma – é particularmente delicioso. Mas também, amiúde, preocupante. Se, como sabe quem me lê, sou um indefetível defensor da essência/identidade das cidades, há princípios básicos e fundamentais que hoje, mais do que nunca, têm de estar na agenda comum de quem tem a obrigação de pensar as cidades.
Na sequência da grave crise pandémica que, quero acreditar, estamos prestes a ultrapassar, percebemos que é fundamental humanizar o espaço urbano. [É realmente curioso notar a forma como algo tão mau nos permitiu redescobrir o “local” e a “localidade”. Dos vizinhos aos parques ou ao comércio e serviço de proximidade, com todas as vantagens que isso tem na qualidade de vida de cada um.] Essa humanização, passa inequivocamente pela capacidade do espaço urbano cumprir – cabalmente – seis funções sociais fundamentais: habitar, trabalhar, ‘abastecer’, aprender, cuidar e desfrutar. De resto, a possibilidade de articular estes seis pressupostos com o recurso a deslocações curtas e, preferencialmente, a pé ou de bicicleta define o tão em voga conceito de cidade dos 15 minutos.
Estas pequenas viagens entre tudo aquilo que responde à maioria das necessidades das pessoas define tudo aquilo que devem ser as cidades – e o conceito mais rico de Polis – proporcionando um significativo aumento da qualidade de vida, estruturado no potenciar de relações e interações sociais, com a mais valia de todas as vantagens ambientais que lhe estão inerentes.
No entanto, para que realmente possamos aprender e apreender as nossas cidades e vilas, impõe-se que as tomadas de decisões passem por um conhecimento real das necessidades das mesmas, sustentadas no conhecimento técnico de quem pode e deve influenciar os decisores políticos. Porque hoje, em pleno século XXI e depois de todo o conhecimento técnico, científico e tecnológico que temos ao dispor, vemos – repetidamente – serem tomadas decisões que cavam cada vez mais fundo o fosso da assimetria de desenvolvimento territorial. O que se traduz num inevitável fator de segregação. E um dos princípios sagrados do direito à cidade é a sua dimensão democrática.
Curiosamente, esta reflexão (a que regressarei com exemplos concretos) remete-me – mais uma vez – para uma frase (provocação) de Pedro Ramirez Vasquez de que gosto particularmente: “Se os arquitetos não fizerem política, os políticos farão arquitetura”.