Cultura, Literatura e Filosofia

ALEGRIAS DE MAIO

Soni Esteves

Gosto muito do mês de maio. Por essa altura, libertamo-nos do peso dos casacos, abrimos as janelas sem medo de resfriados ou do calor excessivo, e vemos a natureza a pulsar, enquanto os dias se demoram no horizonte. Enfim, este sempre foi para mim um mês de doces promessas, ainda que muitas delas não se venham a cumprir.

Lembro que na escola primária, ao mês de maio chamávamos Mês de Maria, e todos os dias levávamos flores para a escola, que colocávamos numa jarra à frente de uma Nossa Senhora que a professora pousava num cantinho da sala. Depois, fazíamos a oração diária e o dia iniciava-se com uma paz perfumada que celebrava aquela cumplicidade entre nós e Maria. Uma vez, na catequese, distribuíram-nos uns papelinhos, onde estavam escritas as intenções pelas quais haveríamos de rezar durante o mês de maio, crentes de que Nossa Senhora nos haveria de ouvir. Eram assim uma espécie de rifas em que a sorte havia de caber aos outros, pois Maria, diziam, ouvia melhor se o pedido que fizéssemos não fosse para nós. Isso alguém haveria de fazer. Calhou-me em sorte rezar pela conversão da Rússia. A princípio julguei que Rússia fosse o nome de uma pessoa, mas não podia perguntar porque era suposto não falarmos a ninguém do nosso segredo de oração. Quando descobri que Rússia era um país, lembro-me de pensar que devia ser um país muito selvagem, com pessoas a andarem pela floresta meio vestidas. Depois esqueci a história e lembro-me de voltar a pensar nela, muitos anos depois, quando foi desvendado o terceiro segredo de Fátima.

São muitas as lembranças desse tempo, marcado por uma forte religiosidade e por uma educação conformista. Da memória desse país e de um Minho, essencialmente rural, nasceu o conto “Códigos de Fé”, que haveria de ganhar, exatamente em maio, o primeiro prémio “Minho Storytelling – Novas Olhares sobre o Minho”, na categoria “Conto”, promovido pelo Consórcio Minho Inovação, que integra as Comunidades Intermunicipais do Alto Minho, Cávado e Ave. Nele eu inscrevo a minha interrogação sobre o peso que tem o passado no presente de cada um e o modo como ele pode condicionar as nossas opções. O conto é também uma homenagem ao Minho, uma afirmação da sua evolução enquanto região e uma reflexão sobre o que podemos trazer-lhe de novo, sem trair a nossa herança.

Mas as minhas alegrias de maio não se ficaram por aqui, ainda neste mês, o meu conto “A que sabe o mar” foi distinguido com o Prémio Ilídio Sardoeira, promovido pela União de Freguesias de Amarante. Esta narrativa inscreve-se numa temática completamente diferente daquela que deu forma ao conto “A casa da avó”, que em 2020 me conferiu o mesmo prémio. Desta vez, não é Amarante que serve de cenário, mas uma aldeia pobre, numa paisagem sahariana. As viagens que fiz por essas paragens serviram-me, obviamente, de inspiração para a história, contudo, aquilo me motivou a contá-la foram as imagens dos naufrágios no Mediterrâneo, que nos chegam a casa, a visão das crianças e jovens que chegam sozinhos e assustados a um mundo tão diferente daquele que deixaram para trás, ou, pior ainda, daqueles que perdem vida, quando tentam ganhá-la. Confesso que não é uma temática muito obvia para um público infantojuvenil, contudo, não vivemos numa bolha e o que se passa do outro lado do Mundo afeta-nos, porque “o Mundo é a nossa casa”. E se o reconhecermos como tal, podemos aprender a conhecê-lo, respeitá-lo e a cuidar dele e dos que nele vivem, desconstruindo mitos e combatendo preconceitos. Infelizmente, esta é uma daquelas promessas que maio algum consegue garantir, mas podemos sempre tentar.

 

 

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