Marta Sousa
Conduzir Deve ser Opção, Não Obrigação
«Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável».
Assim dita a Constituição Portuguesa no seu artigo 81.º alínea a. Todos sabemos que nem sempre o Governo pode cumprir o que está escrito nela. No entanto, é a sua função tentar. Claro que a citação pode se referir a inúmeras situações, mas neste artigo, vou falar de transportes públicos. Escrevo porque sou utilizadora de transportes públicos e sempre fui. Cada vez sinto mais que os transportes públicos estão a ser deixados de lado e, por vezes, até que os seus utilizadores são discriminados e pouco considerados.
Este artigo de opinião não é para fazer queixas das condições dos transportes públicos, como tantos utilizadores as fazem, porque sei que é uma verdadeira bênção tê-los. Não gosto de conduzir, não tenho carro e toda a minha família não tem nem sequer um veículo, só para contextualizar o que referi anteriormente. Portanto, sei o que é precisar deles para viver. Todavia, não escrevo só por mim ou pela minha família, mas por todos que precisam de transportes por diversas razões, como por exemplo, as pessoas desfavorecidas citadas na Constituição, seja por questões financeiras ou sociais, por caso de deficiência ou incapacidade para conduzir. Este artigo é para todas as pessoas que, como eu, não percebem a desculpa «vamos diminuir os transportes públicos por não ser lucrativo».
Os Transportes e a Igualdade Social
Vamos imaginar viver num mundo sem transportes públicos. Só ficam os táxis porque estes não custam nada ao governo. São ótimos para quando temos pressa ou temos uma viagem única para fazer. No entanto, não é financeiramente viável ir e vir de táxi para o trabalho. (Sim, porque existem parques industriais e empresariais, isto para nem falar de empresas singulares, sem acessibilidade a transportes públicos. Quando refiro a não ter acessibilidade, refiro-me não apenas à falta de existência de transportes, mas também sobre a sua frequência.
Refiro-me a horários de transporte que possam ser flexíveis aos diversos postos de emprego e razoavelmente perto do posto do trabalho.)
Agora, convido-vos a pensar num exemplo: uma pessoa que costuma ir para o emprego de carro que fica fora da sua zona de residência. Vamos imaginar que por azar o carro desse indivíduo avaria e tem de ficar na oficina, pelo menos, uma semana. O que essa pessoa vai fazer? Não pode deixar de ir trabalhar e imaginemos que não tem possibilidades de passar a semana a viajar de táxi nem de alugar um carro. Afinal, ainda não sabe qual vai ser a conta da oficina, não é verdade? O que torna tudo mais sério se for uma pessoa financeiramente desfavorecida, não é?
Sim, porque ter carro não é símbolo de riqueza, mas de necessidade.
Porquê Pensar em Lucro?
Os transportes públicos são uma necessidade para os cidadãos como é a educação, a limpeza das ruas e cuidar dos órgãos públicos. Alguém pode-me dizer qual é o lucro destas atividades? Penso que não existe. É retirado dos nossos impostos, certo, e o apoio aos transportes públicos, não é?
Não importa se há muitos passageiros, poucos passageiros, muito lucro ou pouco lucro. É uma necessidade. Vamos, agora, imaginar que amanhã todas as pessoas do mundo ficam saudáveis (como eu gostava que isso acontecesse!) e o sistema nacional de saúde estivesse às moscas e os médicos a beber café e a falar com os colegas por não terem nada para fazer… Iam fechar os hospitais e os centros médicos? Claro que não, porque é uma necessidade. Hoje, pode estar vazio, amanhã, pode estar cheio. Quem pode prever?
O Desenvolvimento Sustentável e os Transportes
O desenvolvimento sustentável é importante tanto para nós como para o governo. Apesar de termos várias indicações do que devemos fazer, precisamos de ajuda do governo para as realizar. Consumir menos energia ou combustível, andar de transportes públicos (!), poupar recursos são recomendações que não fazem sentido quando vimos os transportes públicos a diminuir, pontes e estradas a serem construídas para chegarem a certas zonas que não são e não vão ser abrangidas por transportes públicos, zonas completamente sem transporte ou com longas horas de distância entre transportes, entre outros. Especialmente, quando se nota discriminação das pessoas que usam transportes, em vez de carro, na deslocação para o trabalho. Isto acontece por falta de serviços essenciais aos cidadãos, como já referi anteriormente. Alguém pode dizer-me que novas pontes ou estradas dão lucro ao estado?
Podem dar às empresas que cobram as suas portagens, mas ao estado, não. No entanto, são construídas por ser necessárias.
Uma Necessidade a Ser Suprida
Por estas razões, enquanto houver uma pessoa, mesmo que seja uma única pessoa a precisar de transporte público um local com uma certa população ou número de empresas, essa pessoa merece ter transporte. Talvez, no dia seguinte, esse transporte que tinha apenas uma pessoa possa estar cheio, quem sabe?
O importante é que conduzir seja uma opção e não uma obrigação, não só porque é uma necessidade, mas também para promover a igualdade social, a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável.