Cultura, Literatura e Filosofia

SAUDADE EM PASCOAES

REGINA SARDOEIRA 

Quem afirma que a saudade é um sentimento exclusivamente português não sabe o que está a dizer. Pode ser que a palavra o seja pode ser que ao traduzirmos para outras línguas o termo perca algum do seu sentido. Mas bem explicados o termo e o sentido sem dúvida encontrarão paralelo em todas as línguas possíveis. Irrita-me o saudosismo, quase tanto como me irritam todos os -ismos, mas este um pouco mais porque provém de um espírito opresso oprimido e opressor que é o português enclausurado enclausurante e enclausurador que continua sendo o português e tudo o que oprime e enclausura provoca-me arrepios a mim e creio bem que a muitos e porque não a todos: quem gosta de sentir o nó à volta da garganta o freio na língua as grades em torno dos membros? Vejo-me num país grandioso pequeno apenas nos 89 000Km2 mas que são Km2 quando nos referimos a gente e não a território? e depois temos à nossa frente o mar sempre o mar e nem sequer podemos dizer que nos afecta a síndrome da insularidade porque há sempre escapatória através das estradas rumo a todo o espaço que quisermos e também temos o céu isso mesmo o céu essa imensidão que podemos ver sempre que levantarmos a cabeça e para onde podemos deixar flutuar o sonho! E a Saudade!… De quê homens de agora e portugueses de sempre? Do império? De Aljubarrota? Da 1ª República? De Salazar? O Império foi-se para sempre e pouco nos deixou a não ser sequelas de uma guerra colonial que ninguém parece admitir e um rasto de violência contra os verdadeiros donos dos territórios colonizados e outras consequências que não quero agora evocar pois não é esse o meu tema! Aljubarrota decerto não foi o que os manuais de história relatam e que aprendemos com as primeiras letras e se foi então temos que admitir que em 7 séculos o vigor dos portugueses a arremeter como leões em fúria contra um exército quatro vezes superior desapareceu para sempre! Da 1ª República se penso em Sidónio Pais sinto um arrepio que não é de frio nem de pavor mas de puro asco pois de imediato evoco o seu retrato no refeitório do Instituto Presidente Sidónio Pais que foi o meu lar de menina asilada – pelo menos assim o pensei por muito tempo – durante a primeiríssima juventude . Quanto a Salazar… num esforço retrospectivo percebo a sua sombra nefasta aí nesses tempos de asilada e porque não exilada em terreno pátrio e agora neste tempo em que devíamos ter despertado da melancolia da frustração e da auto- comiseração e não despertamos…Saudade? Se penso no fado tapo os ouvidos porque tanto choro tanto negro tantos olhos fechados e rugas em frontes pálidas lembram-me um séquito macabro de funerais intermináveis e decididamente não creio que semelhante tragédia musical me convenha enquanto portuguesa. E então meus amigos se eu sou portuguesa e não americana ou dinamarquesa e se este saudosismo erigido em filosofia de expressão portuguesa – a única! – não me caracteriza em absoluto e de modo nenhum e se creio-o bem muitos portugueses como eu se não revêem nesta odisseia plangente de véus negros e lábios roxos porque havemos de insistir na tecla batida e murcha de que é a saudade que melhor nos diz porque somos sebastianistas esperamos o velho príncipe ou rei ainda novo montado num cavalo branco em manhã de nevoeiro porque cantamos pelas vielas de um modo aterrador e olhamos os longes com suspiros e ais de quem se habituou a gemer?

Teixeira de Pascoaes é uma sombra erguida num triunfo fanado e por mais belas que sejam as suas elegias deixemo-lo estar quietinho nos corredores poeirentos do seu solar de Gatão mas louvemo-lo apesar de tudo e eis aqui o mote contrastante de toda esta minha verborreia anti-saudosista no belo poema em que o poeta das Sombras e do saudosismo retrata o seu destino poético e com o qual para acabar homenageio também a saudade e a tristeza:

 

Paisagens

Num pálido desmaio a luz do dia afrouxa

E põe, na face triste, um véu de seda roxa…

Nuvens, a escorrer sangue, esvoaçam, no poente.

E num ermo, que o outono adora eternamente,

Vê-se velhinha casa, em ruínas de tristeza,

Onde o espectro do vento, às horas mortas, reza

E o luar se condensa em vultos de segredo…

Almas da solidão, sombras que fazem medo,

Vidas que o sol antigo, um outro sol, doirou,

Fumo ainda a subir dum lar que se apagou.

Teixeira de Pascoaes

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