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Cultura, Literatura e Filosofia

O LIVRO E A SUA HISTÓRIA

Regina Sardoeira 

Livro (do latim liber, libri) é um objecto transportável, composto por páginas encadernadas, contendo texto manuscrito ou impresso e/ou imagens. Forma uma publicação unitária (ou foi concebido como tal), é a parte principal de um trabalho literário, científico ou outro, formando um volume.

Esta definição parece adequada para caracterizar esse “objecto” de uso comum e quotidiano entre os homens. Mas o conceito não se esgota na palavra “objecto” ou nos diferentes usos que dele podemos fazer. Uma espécie de sacralidade pode ser-lhe inerente, de tal modo que um certo autor não queira que a sua obra seja lida por muitos, antes desejae que ele fique circunscrito a uma determinada categoria de leitores, ela somente capaz de perceber a sua transcendência.

Por outro lado, no extremo oposto, o livro profanizou-se tornando-se, de facto, um objecto de consumo, capaz de ser adquirido por milhares de pessoas, garantindo visibilidade ao autor e dando-lhe o crédito que ele, decerto, almeja.

Não saberei dizer com exactidão qual destas categorias serve ao mundo de hoje. Mas continuo convencida acerca da importância extrema do livro, esse habitante silencioso das nossas casas, essa companhia de muitos momentos. Além disso, o livro, e a necessidade de fixar e transmitir palavras tem uma história longuíssima, quase coincidente com a do próprio homem.

A escrita, que é a competência básica para que o livro seja possível, surgiu na antiguidade e antecedeu o texto e o livro: é um código capaz de transmitir e conservar noções, abstractas ou concretas, ou seja, as palavras.
Os mais antigos suportes usados na escrita foram tabuletas de argila ou de pedra em escrita cuneiforme e tiveram origem na Mesopotâmia. O livro mais antigo conhecido é o Instruções a Xurupague (c2600-c2500). Os livros da Idade do Bronze eram relativamente curtos, dado o material usado na sua execução. A Epopeia de Gilgamesh, por exemplo, é a maior obra literária em tabuletas de argila, e as suas traduções ocidentais não chegam a 16 mil palavras.

Surgiu posteriormente o khartés, (volumen para os romanos, forma pela qual ficou mais conhecido) constituído por um cilindro de papiro, facilmente transportável. O “volumen” era desenrolado, conforme ia sendo lido, e o texto era escrito na maioria das vezes em colunas, e não no sentido do eixo cilíndrico. Algumas vezes, um mesmo cilindro continha várias obras, sendo, por isso, designado como tomo. O comprimento total de um “volumen” era de 6 ou 7 metros, e, quando enrolado, o seu diâmetro chegava a seis centímetros.

O papiro é a parte da planta do papiro, que era libertada, livrada (do latim LP libere, livre) do restante da planta – daí surge a palavra liber libri, em latim, e posteriormente livro em português. Os fragmentos de papiros mais “recentes” são datados do século II a.C. Gradualmente, o papiro é substituído pelo pergaminho, excerto de couro bovino ou de outros animais. A vantagem do pergaminho é que ele se conserva mais ao longo do tempo. O nome pergaminho deriva de Pérgamo, cidade da Ásia Menor, onde teria sido inventado e onde era muito usado. O “volumen” também foi substituído pelo códex, que era uma compilação de páginas, substituindo o rolo. O códex surgiu entre os gregos como forma de codificar as leis, mas foi aperfeiçoado pelos romanos nos primeiros anos da Era Cristã. O uso do formato códex (ou códice) e do pergaminho era complementar, pois era muito mais fácil costurar códices de pergaminho do que de papiro.

Uma consequência fundamental do códice é que ele faz com que se comece a pensar no livro como objeto, identificando definitivamente a obra com o livro.

Em Roma a leitura ocorria tanto em público (para a plebe), evento chamado recitatio, como em particular, para os ricos. Além disso, é muito provável que em Roma tenha surgido, pela primeira vez, a leitura por lazer (voluptas), desvinculada do senso prático que a caracterizara até então. Os livros eram adquiridos em livrarias. Assim aparece também a figura do editor, com Atticus, homem de grande senso mercantil. Algumas obras eram encomendadas pelos governantes, como a Eneida, encomendada a Virgílio por Augusto.

Acredita-se que o sucesso da religião cristã se deva em grande parte ao surgimento do códice, pois a partir de então tornou-se mais fácil distribuir informações em forma escrita.

Na Idade Média o livro sofre um pouco, na Europa, as consequências do excessivo fervor religioso, e passa a ser considerado, em si, como um objeto de salvação. A característica mais marcante da Idade Média é o surgimento dos monges copistas, homens dedicados em período integral a reproduzir as obras, herdeiros dos escribas egípcios ou dos libraii romanos. Nos mosteiros era conservada a cultura da Antiguidade. Apareceram, nessa época, os textos didácticos, destinados à formação dos religiosos.

O livro continua a sua evolução com o aparecimento de margens e páginas em branco. Também surge a pontuação no texto, bem como o uso de letras maiúsculas. Aparecem igualmente índices, sumários e resumos, e na categoria de géneros, além do didático, aparecem os florilégios (coletâneas de vários autores), os textos auxiliares e os textos eróticos. Progressivamente aparecem livros em língua vernácula, rompendo com o monopólio do latim na literatura. O papel passa a substituir o pergaminho.

Mas a invenção mais importante, já no limite da Idade Média, foi a impressão, no século XIV. Consistia, originalmente, na gravação, em blocos de madeira, do conteúdo de cada página do livro; os blocos eram mergulhados em tinta, e o conteúdo transferido para o papel, produzindo várias cópias. Foi em 1405 que surgiu na China, por meio de Pi Sheng, a máquina impressora de tipos móveis; mas a tecnologia que provocaria uma revolução cultural moderna foi desenvolvida por Johannes Guttemberg, Em 1455, Johannes Guttemberg inventa a imprensa com tipos móveis reutilizáveis. O primeiro livro impresso nessa técnica foi a Bíblia, em latim. Houve certa resistência por parte dos copistas, pois a impressora punha em causa a sua ocupação. Mas com a impressora de tipos móveis, o livro popularizou-se definitivamente, tornando-se mais acessível pela redução enorme dos custos da produção em série.

Com o surgimento da imprensa desenvolveu-se a técnica da tipografia, da qual dependia a confiabilidade do texto e a capacidade do mesmo para atingir um grande público. As necessidades do tipo móvel exigiram um novo desenho de letras; caligrafias antigas, como a Carolíngia, estavam destinadas ao ostracismo, pois o seu excesso de detalhes e fios delgados era impraticável, tecnicamente.

Uma das figuras mais importantes do início da tipografia é o italiano Aldus Manutios. Ele foi importante no processo de maturidade do projecto tipográfico, o que hoje chamaríamos de design gráfico ou editorial A maturidade desta nova técnica levou, entretanto, cerca de um século.

Este é um resumo da história do livro ao longo dos tempos e também a prova da sua importância como veículo de fixação, transmissão, conservação de palavras – fixadas, transmitidas e conservadas com diversos objectivos. Apesar de muitos rumores, segundo os quais o livro, tal como o temos conhecido, tenderia a desaparecer, tornado obsoleto, neste nosso tempo tecnológico, o certo é que o livro não foi ainda extinto, não perdeu a sua dignidade. E dado o seu carácter sagrado como referi antes (e esta palavra “sagrado” extravasa da acepção religiosa que pode ser-lhe atribuída) o livro é muito mais que um objecto de consumo, uma banalidade que qualquer um pode escrever ou ler.

Bibliografia: Albert Labarre, História do Livro

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