Cultura, Literatura e Filosofia

STUDIA HUMANITATIS

António Coito

Esta agitação diária já devia ser familiar! Sair de casa, fechar a porta do prédio, tropeçar na calçada acidentada, levar com a cara de um individuo mal-encarado (possivelmente depois de ter suportado a má disposição da funcionária do balcão xy dos serviços públicos) e, ainda ficar na fila para entrar na papelaria. Com toda a simpatia e paciência do mundo entro naquela fila longa. Quando chega a minha vez, o produto que desejo ainda não chegara– o jornal da minha região. Fui dar a minha volta pela cidade e regresso à tal papelaria das filas longas (desta vez sem fila) para adquirir o artigo que pretendia. Já esperava por esta! Para além do jornal ainda não estar disponível, ainda levo com a senhora do balcão a indagar-me a urgência pelo jornal, reforçando, com tom irónico, que devia haver algum artigo de grande interesse. Não adiantei ‘’promenores’’, para não me exaltar! Questionei-me se estava a ser colocada em causa a qualidade do jornal ou a minha idade. Obviamente que para um jovem da minha mocidade, teoricamente, seria muito mais interessante estar a fumar uns charros e a beber um copinho de absinto, como defendem grandes especialistas na matéria (dos boatos ou das investigações científicas sem ciência).

Depois destas atribulações, chego ao meu destino! Sentado, confortavelmente, estou na companhia dos visionários da educação deste país – pelo menos, espero um dia estar! Este assunto, para um aluno de humanidades, tinha de ser exposto. Não me atrevo a tecer quaisquer considerações relativamente à desvalorização dos alunos, das artes e das letras, no ensino deste nosso Portugal. Esse assunto está demasiado discutido. A meu ver, um novo problema se levanta.

Recuando um pouco no tempo, com o Renascimento, o Humanismo afirma um papel crucial na reformulação da educação. O ensino da gramática, da filosofia, das línguas clássicas, da retórica e da literatura (com grande incidência na poesia) eram os grandes temas definidos no ambicioso currículo Studia humanitatis. Atualmente, isto não é uma realidade. O aluno deste curso já não é convidado a ler os clássicos, o ensino da gramática já não é o que era, a retórica faz lembrar uma marca de detergentes de pouca qualidade e o ensino das línguas clássicas é apenas uma coisa bonita, que todos deviam saber, mas um em cada dez mil sabe! Sobre o projeto #EstudoEmCasa, que muito recursos ofereceu aos jovens deste país, muito há a dizer. Mais uma vez, as disciplinas de Literatura Portuguesa e Latim A estão excluídas. Pergunto porque continuam a oferecer estas disciplinas, quando não as tratam como as outras? Todas as disciplinas sujeitas a exame tiveram emissões, no decorrer deste projeto, à exceção das disciplinas referidas. Só é pena darem atenção às disciplinas que mais recursos têm. Pobres alunos de Latim A, que têm de levar com um manual desatualizado, cuja última edição é de 2008, e nem dispõem de um caderno de exercícios (não falando em livros de preparação para exames, claro). Deixo esta questão à consideração do Ministério da Educação, que tanto cuidado tem na preparação de documentos oficiais, como o Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória.

Sem as Ciências Sociais e Humanas, as áreas de competência, que esse mesmo documento defende, não se concretizam. Lembrem-se que, se não formos dotados de conhecimentos sobre as nossas raízes, somos seres incultos, sem sensibilidade, carácter e idoneidade para enfrentar os desafios da vida!

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