Anabela Borges
“O que até há um minuto parecia tão real, parece agora imaginário. Meia dúzia de passos é quanto basta para que tudo o que lhe está associado perca o sentido de realidade.”
In “Kafka à Beira-mar” – Haruki Murakami (2014)
O ferry afasta-se da costa e a sensação que experimento é esta. O destino de férias vai ficando para trás, visto já como um lugar inalcançável, longínquo e flutuante, como uma miragem, um borrão, uma névoa.
É isso que acontece quando nos afastamos de algo que nos fez bem, mas que voltou a ficar temporariamente inacessível. De facto, com as férias é sempre assim: levamos tempo a desligar-nos da rotina, das preocupações; limpar a mente é um processo demorado; e quando realmente começamos a desfrutar desse tempo sem hora nem agravo, acabou! Inevitavelmente, temos de regressar.
Sem pensar em nada, com as roupas flutuando sob a brisa, enquanto a embarcação cortava vigorosamente as águas, separadas, como talhadas por gume afiado, fui deixando para trás a paisagem marítima. Tudo tão perto e tudo já tão distante: o grasnido agudo das gaivotas, o cheiro calmante a maresia, os tons impossíveis do verde-azul-turquesa das águas, a areia branca e fina a escapar inexoravelmente por entre os dedos. Ali deixava uma das baías mais belas do mundo à minha espera. “Até qualquer dia. Que seja um tempo breve…”.
Em casa, entro ainda em modo-férias. Venho estonteada, distante, com o corpo ainda baloiçado pelas ondas e a cabeça ainda esvaziada das ocupações costumeiras. Regressar a casa é bom, um privilégio. É bom ter um lugar onde sempre nos esperam, onde sempre podemos regressar. Felizardos, nós! E nesse espírito, em determinadas horas, e com determinada luz, em que o céu atinge o tom de azul-ferrete, toda a nostalgia da minha vida, de todas as estações antes desta – Outono, Inverno, Primavera – me cai aos pés. E fico sem pensar em nada, só com aquele sentimento de entrega, de íntima relação comigo e com a envolvente, a solidão total de ser só eu e o mundo. Aí, o céu absorve todos os ruídos que possam ainda estar presentes na minha mente. Nesse ponto, é tempo de agradecer as férias e o regresso a casa. Gratidão. E é tempo de preparar corpo e mente para um novo ciclo.
Agosto, com o frio no rosto, vai galopando rápido, escapando-nos, e com ele o Verão desvanecendo-se como fumo morno e fugaz. Uma névoa fresca e delicada desce as encostas cobrindo o vale, cobrindo os altos da manhã, doce como açúcar húmido. E o Verão vai ficando esse lugar ainda aqui mas já distante, deixando um rasto de pegadas como as pegadas na areia da praia.
Os dias são agora infinitamente mais pequenos. Os pores-do-sol mais breves. O azul mais pálido. Uma luz quebrada de fim de tarde invade a sala. Uma tempestade abate-se sobre a casa e o jardim: chuva, raios, coriscos e rolas bravas.
Muitas esperanças se vão embora em Agosto e novas outras nascem nos alvores de Setembro. Porque sempre teremos as luzes de Setembro… “As luzes de Setembro ensinaram-me a recordar os teus passos desvanecendo-se na maré. Sabia já então que o rasto do Inverno não tardaria a apagar a miragem do último Verão.” E sabia que “[…] num lugar longínquo, as luzes de Setembro se acenderiam […] e que, desta vez, já não haveria mais sombras no caminho”. (“As Luzes de Setembro”, Carlos Ruiz Zafón, Planeta Manuscrito, 2014).