“Assim como as ondas ao retraírem-se descobrem; como a neblina ao levantar-se revela […].”
In “Entre os Actos” – Virginia Woolf (1991)
Anabela Borges
Observo o pequeno bosque dos carvalhos. Demoro o olhar na massa de folhinhas verdes dançando na brisa, conjunto etéreo. Cerebral. Ao longo do ano vou tendo clara percepção da sua transformação. Não é no dia-a-dia, mas em muitos dias – x em x tempo – que percebo as mudanças de estação no aglomerado mágico que é o bosque encantado dos carvalhos. Agora já tem algumas folhas amarelecidas – a massa já não é o verde total do Verão – e muitas estão já caídas no chão, a formar o tapete-de-estalidos-a-caminhar-debaixo-dos-pés. Não tarda nada, estará todo avermelhado, como corado do esforço. E depois, despido.
Observo tudo isto e não sei como cheguei até aqui.
Vi uma pressa em sair o mês de Setembro pelas frinchas das portas, pelos vãos de escadas, esconsos insuspeitos e friestas das janelas. Setembro nos vagos do tempo, deixou-nos num espanto de existir, na nostalgia de o não termos vivido, de não termos sentido o seu calor no brasume das tardes. O mês viveu-se sozinho, como um engano do calendário. O tempo evaporou-se nas noites frias e desaguou nas manhãs arrefecidas. Para onde foste, Setembro, que não te vi?
É Outubro. Barulhentos, passam três corvos. Sobrevoam o bosque num traçado de azul-asa-de-corvo. Os corvos são mais persistentes do que os pássaros frivolentos que se vão aninhando pelos cantos do ar, arrepiados das penas e apressados nos afazeres. Quem é persistente é mais resistente. Por isso, os corvos são mais resistentes. Não se encolhem de frio, nem se agastam de pressas. Voam naquela suavidade veludina e dão aquelas gargalhadas ao sobrevoarem o bosque – dizem “Crow!”, que é como se diz o seu nome em inglês.
O tempo tem um avançar rápido, como adiantando-se a cair num precipício de Inverno sem fim. E os corvos – “Crow!” – dão a gargalhada de ironia contra o tempo, resistindo. Dizem “temos tempo. não temos medo do frio. o frio está longe. longe”.
Eu penso em como gostaria de possuir a contagem de tempo por onde se regem os corvos. E o seu negrume filtra-se por entre o vago do céu, por entre as névoas, por entre os pinheiros mais longe, até que deixo de os avistar.
Hoje o topo da colina oferece a vista ainda vasta, coroado por um véu diáfano, crepuscular e outonal. Já não há o perfume das flores flutuando como éter nem o zumbido intransigente dos exércitos de insectos. Poucos de nós são resistentes como os corvos.