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Cidadania e Sociedade

“PASSAREI COMO UMA NUVEM POR CIMA DAS ONDAS”

Hermínia Vasconcelos Mota

Há dias e situações que, inesperadamente, nos marcam.

Ontem, no final de um dia pouco agradável, demasiadamente pesado, estava eu completamente absorta no computador, quando me apercebo de uma “presença”, porque barulho não fez e o movimento parecia uma leve e graciosa dança.

Levantei a cabeça e o olhar e vejo a dirigir-se ao meu gabinete, já lá dentro, depois de ter atravessado toda a sala de espera, uma pomba lindíssima, de penugem brilhante e cores fascinantes.

Cruzamos o olhar e ali ficamos por uns largos segundos.

Olhava-me fixamente com os lindos olhos escuros, brilhantes, e eu olhava-a.

Só nos mediava a secretária e ali estava uma pomba, calmíssima, a parecer que me “enfeitiçava” com o olhar. Nunca tinha visto uma animal destes assim.

Levantei-me, dirigi-me a ela, que já estava instalada no meu tapete e comecei a falar, num tom o mais baixo possível e com a maior simpatia que consegui.

E a pomba não dava um passo, continuava a olhar-me nos olhos e a ouvir o que lhe dizia.

Deixou-se acariciar e lá fez o seu caminho de volta ao pátio da entrada, sem esvoaçar, sempre no seu passo calmo e seguro.

Amélia Oliveira, colega de Hermínia Vasconcelos Mota

Tanto eu como a minha colega ficamos de coração derretido, saímos e lá ficou a pomba encostada num canto.

Hoje de manhã cheguei ao escritório e lá estava a nossa amiga no mesmo sítio.

O que me fez pensar a presença daquela ave e o seu porte!

Não o consigo explicar e só comecei a recordar histórias antigas de “sinais” e “mensagens”.

É claro que tenho a perfeita noção que estive ali a “deambular” no irreal, no sonho, na vida-poema, no ser e não ser, no porquê das coisas e dos tempos e contratempos da vida.

Embora razoavelmente racional, embrenho-me imensas vezes nos porquês e como recentemente reli “As Ondas” de Virginia Wolf, só me conseguia lembrar das seis personagens que acabam por se apresentar como uma só, que se dão a conhecer em monólogos interiores e diálogos que traduzem as suas vivências, os seus medos e receios e a solidão em que se veem “perdidos”. Temos seis mundos que afinal percebemos ser um só.

Todos crescem, vão amadurecendo e chegam ao fim da vida.

Aqui está o tempo que passa, o sentido da vida e da existência humana, da realidade e por fim, do decesso.

Hoje a “nossa” pomba passou o dia encostada no mesmo canto, enquanto, de vez em quando, eu a vinha vigiar para ver se o seu fim não estaria próximo.

Esta pomba representou para nós a alegria de um fim de dia cansativo, com quem mantive um “diálogo mudo” através do olhar fixo e perscrutador de parte a parte.

Naqueles olhos vi transparecer tantas coisas e pessoas em quem tanto penso e anseio, embora ciente da impossibilidade, falar por segundos que fosse…

Olhar-lhes no fundo dos olhos e perceber a nossa existência, a realidade das coisas e a verdade sem entraves nem dúvidas.

Na realidade, a minha verdadeira “ambição” e desejo era como refere mais que uma vez Virginia Wolf, passar  “como uma nuvem por cima das ondas”.

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