Hermínia Vasconcelos Mota
Estamos a 10 de Dezembro, mais um Natal a chegar e outro ano a passar.
Continuamos a viver absolutamente condicionados por um vírus que nos “engoliu” a vida.
Tantos partiram, outros debateram-se com a sua realidade, atacados traiçoeiramente, vacinados ou não, cuidadosos, reprimidos, mas vencidos…
Continuamos de máscara, que passou a fazer parte da indumentária e a condizer com a roupa, os olhos, o cabelo… à moda – comme il faut!
Retomamos lentamente os encontros com familiares, com amigos, mas sempre “desconfiados” do outro.
A distância… a maldita distância!
Insuportável, deprimente, que nos roubou tantos sorrisos, gargalhadas, conversas, beijos e abraços.
Adoro abraços!
O abraço do familiar ou amigo que está perto ou distante. O abraço sincero, apertado, sentido.
Perdemos muitas pessoas e nessa dolorosa perda, tantas vezes soubemos tardiamente, ou não pudemos prestar a homenagem a que estávamos habituados, partilhar afectos e sentimentos com os familiares, sermos expansivos, carinhosos, autênticos, verdadeiros como o éramos antes.
O verão ameniza a solidão, a saudade. A beleza dos dias, o raiar do sol, a luz, preenchem um tanto a Alma.
Agora o inverno… estes tristes dias de chuva, nebulosos, que nos fazem arrastar pelas ruas e calçadas pesadamente, como se o tempo fosse um fardo.
Ontem, anteontem, todos estes dias, tenho saído do escritório e espera-me a rua vazia, iluminada é certo, mas vazia…
A pé ou de carro, vou para casa vagueando entre o sonho e a realidade, o presente e a memória.
A cidade já repousa. Restam as luzes nas janelas e o brilho da rua molhada, fria, impessoal.
Como há muitos anos li no “Homem Suspenso” de João de Melo, caminho a “imaginar uma cidade em repouso, dentro e fora de si mesmo exactamente como nos sonhos”
E ainda “pior que do sonho ou da sua casa, um homem pode ser expulso de si mesmo, da sua vida, da certeza de na casa ter vivido uma história verdadeira, o seu caso de amor.”
Estas frases marcaram-me tanto, que as sublinhei a lápis no livro e ontem à noite revisitei-as, depois de muito procurar numa das minhas atoladas estantes.
A pandemia, para mim agravada pela tristeza da chuva e do inverno, quebrou quase por completo e deixou em suspenso todos os casos de amor das nossas vidas.
Mesmo assim, regresso sempre “a casa” – às pessoas, aos livros, às ruas, à família, aos amigos, às lembranças, aos sonhos, na convicção de que qualquer dia tudo poderá voltar a mudar.
Tenho pelo menos a certeza do regresso do sol, das flores, do chilrear dos pássaros, das janelas abertas de par em par, dos sorrisos libertos que se soltam ao amanhecer e se deitam tarde, como tarde vem o anoitecer.
Hoje, fiquei fascinada com os presépios que “fazem sorrir Amarante” e que de resto ontem já tinha visto no Facebook pulicados pelo seu mentor, ou um dos seus mentores (desconheço, embora tenha mais uma desconfiança!), o Senhor António Ada, sobretudo com a beleza singela e singular do que está sobre a coluna de pedra no Largo de S. Pedro.
Adoro presépios, as luzes, a beleza de tudo que envolve o Natal, embora tenha perdido a partir de há 8 anos atrás, num sucessivo turbilhão de inesquecíveis acontecimentos, uma parte substancial da alegria da data.
Mas, Graças a Deus, tenho a pequena, mas fortíssima família, a minha filha, as minhas sobrinhas, a alegria e bom humor da minha irmã e do meu cunhado e dos pais e irmãos, que “abusivamente” tomei como família também.
O tempo passa apressadamente, os dias sucedem-se e eu, na minha ilusão, tento viver a vida na “outra metade do sonho”, aguardando a vinda do sol, da normalidade, da vitória da resistência, de tudo o que fomos obrigados a deixar para trás.
Com a vida suspensa ou não, desejo a todos um muito Feliz Natal e um Novo Ano que chegue raiado de luz!
Até lá, vivendo na metade do sonho ou da realidade, sentindo-me mais ou menos expulsa de “outra vida”, calcorreio estas ruas seguindo o caminho que se abriu, que seguro com todas as forças, que colhi das asas de um albatroz fugidio, mas que espero queira ficar.