Rui Canossa
Um dos temas mais falados recentemente na Europa tem sido a inflação e a sua evolução nos últimos tempos. Mas afinal, o que é a inflação, e o que é que estamos a assistir atualmente?
A inflação é um fenómeno económico que acontece quando existe uma subida generalizada dos preços. Este fenómeno é bastante importante numa economia pois, mantendo tudo o resto constante, as famílias perdem poder de compra, ou seja, com o mesmo euro, consumimos menos do mesmo bem ou serviço. Este valor é calculado utilizando a média ponderada de um cabaz de bens e serviços consumidos pelo “cidadão comum” numa certa região. Na zona euro, a inflação é medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), um índice desenvolvido para que os países consigam comparar os valores da inflação com os restantes, com cerca de 700 bens e serviços.
O relatório da Comissão Europeia publicado em dezembro mostra que a inflação anual na zona euro referente ao mês de novembro foi de 4,9%. Isto significa que, comparando com o ano passado, houve uma subida generalizada de preços em 4,9%, bastante acima do alvo estabelecido pelo Banco Central Europeu (BCE) – 2%. Em Portugal, este valor foi dos mais baixos (2,6%), fazendo com que os portugueses perdessem menos poder de compra e que o país ganhasse competitividade internacional em relação à zona euro, mantendo tudo o resto constante.
Duas das características em como é medida a inflação é que o IHPC tem em conta um único cabaz, sendo composto pelos bens e serviços consumidos pelo tal “cidadão comum”, e cada componente tem diferentes níveis de inflação. Por exemplo, o maior contribuinte para os 4,9% de inflação foi a energia, com um aumento no seu preço de 27,5% em relação a novembro de 2020, já o aumento do preço de comida não processada foi apenas de 1,9%. Ora, o problema aqui é que cada pessoa é diferente da outra, e cada família consome de maneira diferente. Sendo assim, para a mesma inflação, há quem perca mais que outros, para o mesmo nível de rendimento.
Ao ser de origem económica, a inflação depende das ações dos agentes económicos e das suas expectativas, e é aqui que o BCE entra. O BCE tem como papel manter a inflação estável, necessitando assim de utilizar mecanismos monetários de forma credível. É importante haver credibilidade por parte do banco central para que haja um nível de inflação estável. Assim, as pessoas sentem-se seguras para consumir e investir no presente e no futuro, levando a um crescimento sustentável da economia.
Desde as crises de 2008 e de 2012 que o BCE tem vindo a criar novas maneiras de aplicar política monetária pois já não tem muito espaço de manobra com os mecanismos tradicionais, nomeadamente, a diminuição das taxas de juro, porque estas já se encontram perto dos 0%. Com isto dito, percebe-se o porquê de haver tanto debate sobre a inflação atualmente, no fundo, é preciso haver confiança no banco central e um possível argumento para previsões de inflação com valores altos num futuro próximo é que poderemos estar a assistir à quebra gradual de confiança no BCE.
No entanto, não nos podemos esquecer que esta crise não é como as crises passadas. A crise durante a pandemia foi maioritariamente uma crise criada de forma voluntária, pois a maioria dos governos em todo o mundo impôs restrições à economia para salvar vidas.
A inflação na UE voltou a subir, passando de território negativo (-0.3%) no final de 2020 para uma leitura de 4,1% em outubro, um máximo desde 1995. Isto reflete, obviamente, uma fase de ajustamento da oferta ao acentuado aumento da procura de bens e serviços, mas é um sinal evidente de que a era das taxas de juro em níveis historicamente baixos poderá ter conhecido o seu fim. Resumindo, vamos começar a ver alguma normalização, sendo que o custo do dinheiro poderá subir, ainda que de forma moderada.
Isto significa o quê, para Portugal? Para o Estado pode significar, por exemplo, que os custos com a dívida pública serão mais altos, e isso pode desequilibrar o défice de forma relevante – sobretudo porque somos um país que acumulou um nível significativo de dívida (135% do PIB em 2020) durante a pandemia. Depois, para os portugueses, sobretudo no que respeita ao que pagam pelo crédito habitação.
De acordo com uma análise da DECO, uma subida moderada de 2% na Euribor pode levar a um aumento de cerca de 30% no valor da prestação mensal devida à entidade financeira – por exemplo, num empréstimo de 150 mil euros, as famílias passam a pagar mais cerca de 150 euros por mês, e isto com um spread conservador de 1%. Para que este esforço seja comportável para Estado e famílias, Portugal tem não só que crescer por via da recuperação da Europa, como tem que reformar estruturalmente para ganhar a competitividade necessária para crescer de forma mais rápida e mais consistente.
Em último lugar, apesar de não haver um consenso geral sobre quais os fatores que estão a influenciar mais a inflação (e como resolvê-la), muitos economistas defendem que estes valores são em parte explicados através da magnitude dos apoios diretos às economias. Pegando no que o Professor Pedro Brinca escreveu num artigo recente, os países que investiram mais em apoios à economia são, também, aqueles que estão a verificar uma maior inflação devido à recuperação rápida dos mercados e uma recuperação da procura. Sendo assim, uma recuperação estável da economia não depende tanto de ajuda monetária, mas sim de disciplina fiscal e das expectativas dos agentes económicos, o que por si só, tem sido difícil de se verificar.
Portugal é, aliás, uma das economias que mais dificuldades está a ter em recuperar para os níveis pré-pandemia, situação à qual não serão alheios os atuais desequilíbrios estruturais que importa resolver durante os próximos anos, aproveitando da melhor forma os apoios financeiros da União Europeia e que podem mudar estruturalmente a economia do país.
Independentemente dos resultados que emergirem das eleições legislativas de final de janeiro, uma coisa é certa. A época da navegação fácil terminou, e Portugal terá mesmo que preparar caminho para crescer. Isto acontece, desde logo, porque as principais economias do mundo já estão a crescer desde 2021. Estados Unidos e China já atingiram o nível pré-pandemia, a União Europeia (UE). O próximo governo de Portugal vai ter uma tarefa difícil pela frente. Uma inflação que tira poder de compra às famílias e obriga à subida das taxas de juro vai levar os particulares a terem mais dificuldades em pagar as suas casas e o Estado a resolver o problema da dívida.
E eu gostava de ver os candidatos falarem sobre estas e outras questões como o aproveitamento do PRR…