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Cidadania e Sociedade

A VIOLÊNCIA PASSA A SER “ARTE”

José Castro

Há muitos anos atrás, numa das primeiras visitas que fiz com alunos, ao órgão máximo da Democracia em Portugal, a Assembleia da República, pensando que seria (sempre) um lugar de respeito, de reflexões profundas e exemplo para os alunos, verifiquei que isso não era assim. Um deputado, graças ao seu mau comportamento, quer em ruido, provocações e afirmações, conseguiu “anular” qualquer proposta minha no sentido de dignificar aquele recinto. Durante algumas semanas, alguns alunos procuraram ter o mesmo comportamento em contexto de sala de aula. Claro que só foi um dos 230 deputados, mas o seu comportamento ficou gravado na mente dos alunos. Enquanto uns alunos se indignaram, outros afirmaram algo do tipo “se até aqui se pode fazer isto ” quanto mais na sala de aula! Este assunto veio-me à memória quando no âmbito dos Óscares 2022, programa visualizado por milhões de pessoas, se viu Will Smith a agredir Chris Rock. Comportamentos violentos vão de alguma forma legitimar a violência em situações semelhantes. Pouco importa se foi uma cena autêntica ou encenada! As desculpas proferidas a seguir (poderão indiciar a autenticidade do ato, ou não), nunca direcionadas a Chris Rock, são igualmente um mau exemplo de retração do comportamento (alegadamente) impulsivo! Não é assim que “se faz” nem é assim que “ se desfaz”! 

Se um ato “reprovável” de um deputado teve interferência em dois ou três alunos, quantos milhares de espetadores jovens ou adultos foram consciente e/ou inconscientemente influenciados? Afinal, reagir através de violência física à violência verbal será natural e legítimo?  

Um comediante faz piadas (claro que nem todas vão ter o mesmo sucesso) mas na sua conceção não deverá estar o sentimento de raiva, ódio ou discriminação. Ninguém imbuído desses sentimentos consegue fazer tranquilamente uma piada! Por isso é que a piada tem piada…e se distingue do insulto ou mau gosto, pois não há intenção e motivação negativas! 

Felizmente já temos em Portugal o exemplo disso. Quem teria imaginado que fosse possível fazer piadas (em privado sempre foram feitas), em televisão com a “desgraça” dos outros, a nível de comportamentos aditivos ou mesmo doenças terminais? O programa “Tabu” de Bruno Nogueira é disso exemplo, embora sempre recheado de empatia e humanismo.  

Nos Óscares, um programa onde a maioria dos elementos presentes estão ligados ao mundo das artes, não conseguimos “aguentar” uma piada que só implicitamente incide sobre uma doença? Não nos conseguimos colocar no (difícil) papel do comediante? Que teria acontecido se o agressor fosse um estranho? 

Verdadeiro ou falso, chega de promoção de violência. Afinal para quando pazear?

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