“Abril é o mais cruel dos meses, concebendo
Lilases da terra entorpecida, confundindo
Memória com desejo, despertando
Lerdas raízes com as primeiras chuvas.”
In: poema “A TERRA DEVASTADA”, primeira parte – “O Enterro dos Mortos” – T. S. Eliot (1922), tradução de Ivo Barroso, em https://gavetadoivo.wordpress.com
Anabela Borges
Um engano. Por vezes, a vida não é mais do que isto: um lerdo engano, como as “lerdas raízes” que despertam com as primeiras chuvas de Abril.
As sombras começaram a mover-se em todas as direcções, porque veio uma luz dizer que era para as sombras se porem em movimento. Então a Primavera fez-se inevitavelmente ao caminho. Mas tudo era engano. Porque fez-se uma ferida no tempo de Inverno, impossível de sarar as dores do mundo. Fez-se uma ferida vermelha no meio da alvura da neve fria.
Há um vermelho-cor-de-sangue que se derrama pelas copas de todas as árvores. Um vermelho aceso de espanto pinta o horizonte de uma beleza estonteante. Só que é engano. Não é um crepúsculo próprio da natureza, mas o estrondo monstruoso da guerra a chegar-se a nós. Perto de nós. A querer colar-se a todos os seres e a todas as pedras. A querer contaminar tudo de chumbo, poeira e fumo. Há uma voz coleante a dizer o poema de T. S. Eliot: “Vou mostrar-te o medo num punhado de pó”.
Em Abril queremos a força das raízes apontando toda a exuberância das plantas para a luminosidade que, gradualmente, vai preenchendo o ar. Queremos todos os brotos surgindo nas pontas das plantas e os lilases pingando moles na beirada de qualquer muro. Em Abril queremos sonhar enganos mil, passando levemente por entre os pingos da chuva. Em Abril queremos ter a leveza dos dias devolvida. Em Abril só queremos a LIBERDADE. Mas não. Tudo é engano após engano após engano.
A terra devastada e o ar contaminado de dor!
Procuramos consolo no desenho inocente de uma criança: uma menina com apenas um olho, verde gigante, como um ciclope, com uma pomba branca na mão e um bardo de lilases no cantinho esquerdo da folha de papel… É um desenho alusivo à Páscoa. Só que é engano, um engano mais. Porque os lilases de Abril são enganos mil. Os lilases de Abril, com o seu cheiro inebriante e doce, não conseguem limpar o ar do cheiro acre da morte. Ó Páscoa sangrenta e carregada de terror!