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Cidadania e Sociedade

A CRISE QUE TODOS FALAM

Quando penso na palavra crise ( e sou obrigada a pensar de tanto que a oiço) lembro-me inevitavelmente do conceito que lhe é subjacente e que está longe de ter apenas a conotação negativa que é uso atribuir-lhe. Efectivamente crise (do grego Krísis) significa perturbação, e logo, alteração sistémica, mas também, julgamento, e logo, resultado de uma ponderação, significa escolha, e logo, possibilidade de decidir, na liberdade, por um outro caminho, significa processo, e logo, hiato temporal capaz de conduzir à solução de um problema. Directamente relacionada com a palavra crítica, a crise denuncia um momento, individual ou colectivo, de ajustamento de ideias, procedimentos ou acções, um  momento fecundo em que os extremos se enunciam e a inteligência, lúcida, pode deliberar e decidir o caminho profícuo. O homem é, aliás, segundo Edgar Morin em O Paradigma Perdido, um animal crísico, dada a sua permanente instabilidade ou entropia, geradoras de vida, propulsoras de evolução. Porém, evoluir não é necessariamente ficar melhor (no sentido ético do termo melhor), evoluir é crescer, superando a crise, mas emergindo, potencialmente, em patamares cada vez mais complexos e logo desencadeadores de novos momentos de crise.

A crise de que todos falam, sem saberem muito bem do que falam, é um momento como tantos outros da história individual e colectiva dos homens, um momento em que todas as opções e acções necessitam ser revistas à luz de critérios humanos, critérios nascidos de uma progressiva artificialização das coordenadas naturais onde nos movemos ainda, enquanto seres da terra, e por isso marcados por leituras abstractas e tantas vezes desvirtuantes da nossa caminhada enquanto espécie. A crise convida à crítica, dado que uma nasce da outra, e a crítica deve ser, antes de mais e em primeiro lugar, auto-crítica, na medida em que é de nós mesmos, enquanto indivíduos, que nascerá a resolução, sempre provisória, da crise. Esta auto-crítica, sendo individual, é também institucional, ou seja, os mecanismos que regulam o todo social a que estamos vinculados necessitam auto-submeter-se aos mecanismos da crítica, porque estão, também eles, em crise; e, se acaso, um oportunismo, sempre latente nas instituições e com poder para subverter a crise a favor de interesses particulares, ousar patentear-se, cabe aos mecanismos individuais, suportados socialmente pela democracia, obrigar as instituições à necessária moralização. A questão é complexa, e contudo a sua compreensão está ao alcance de cada um de nós, desde que saibamos mergulhar lucidamente na crise – que não é essencialmente financeira ou económica, mas de valores, de confiança, de auto-estima e logo também ética e psicológica – e extrair dela as consequências positivas (ainda que potencialmente também negativas pois nesta antítese se move o universo e, portanto, o homem) fazendo da adversidade, condição de crescimento, da dúvida, alimento para a certeza, da dor, ingrediente essencial para a fruição do contentamento.

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