Paulo Morais
- Como surgiram os protetores solares?
A humanidade protege-se do sol e dos seus efeitos há séculos, mas foi apenas em meados do século passado que o austríaco Franz Greiter, o americano Benjamin Green e o francês Eugène Schueller desenvolveram o protetor solar (PS) moderno. Enquanto Schueller lançou “Ambre Solaire” em 1936, os produtos de Greiter e Green tornaram-se disponíveis comercialmente em 1946 e 1956, respetivamente.
Nas décadas seguintes, avanços notáveis na biologia da pele, fotobiologia e epidemiologia do cancro da pele levaram à clarificação do papel dos diferentes comprimentos de onda na fotocarcinogénese, fotoenvelhecimento e fotodermatoses. A constatação de que os raios ultravioleta B (UVB) e ultravioleta A (UVA) podem ter consequências negativas para a pele humana levou a indústria a desenvolver filtros solares de amplo espectro, que fornecem proteção contra a radiação UVB e UVA.
Os PS foram desenvolvidos inicialmente para proteger das queimaduras solares, ou seja, dos danos agudos resultantes da exposição solar. A partir do momento em que se percebeu a relação entre exposição solar e cancro da pele, o uso de fotoprotetor tornou-se também uma medida essencial na estratégia geral de prevenção do cancro de pele e de convívio salutar com o sol. É inequívoco que, quando utilizado como recomendado, o PS reduz o risco de cancro da pele e de lesões pré-cancerosas. O uso diário regular de PS com fator de proteção solar (FPS) 15 pode reduzir o risco de desenvolver carcinoma espinocelular em cerca de 40% e de melanoma em 50%. Além disso, ajuda a prevenir o fotoenvelhecimento da pele, nomeadamente rugas, flacidez e manchas cutâneas, e fotodermatoses induzidas pela radiação UV.
Neste artigo tentaremos esclarecer algumas dúvidas, controvérsias e mitos referentes aos protetores solares. Fique a perceber o significado das designações que figuram na rotulagem do produto (FPS, PPD, luz HEV, IV, amplo espectro, resistente à água), aprenda a escolher o PS mais adequado à sua pele, esclareça questões relativas à segurança dos fotoprotetores e compreenda a diferença entre protetores minerais e químicos.
- O que é o FPS?
Quando nos expomos ao sol, uma das respostas induzidas na pele é o aparecimento de vermelhão/eritema. O tempo que demora a que isto ocorra depende de cada pessoa (um indivíduo de pele clara demorará menos do que alguém com fototipo mais alto).
Em testes de laboratório determina-se a dose eritematosa mínima (DEM), que é o tempo mínimo para a pele ficar vermelha após a exposição à radiação UVB. O fator de proteção solar (FPS) refere-se à proteção face à radiação UVB e é determinado ao dividir a DEM quando se utiliza protetor solar no teste, pela DEM quando este não é utilizado. Isto significa que, se o indivíduo 1 demora 10 minutos a ficar vermelho ao sol, utilizando um protetor com FPS 15 vai demorar 15 vezes mais tempo (150 minutos); o mesmo protetor sobre uma pele mais escura (indivíduo 2), que sofre os efeitos solares após 15 minutos, protege por 225 minutos. Se o protetor tiver um FPS 30, demorará 300 minutos (5 horas) e 450 minutos (7,5 horas) para os indivíduos 1 e 2 ficarem vermelhos, respetivamente.
- Há muita diferença entre um protetor solar FPS 30 e 50?
Os estudos afirmam que um FPS 15 consegue filtrar 93% dos raios UVB do sol, enquanto o FPS 30 filtra 97%. A partir desse valor (FPS 50, 70 ou mais), a diferença é mínima em relação ao UVB, mas como a legislação exige que a proteção contra UVA seja de pelo menos 1/3, a proteção contra essa radiação aumenta. Além disso, como a maioria das pessoas não aplica o protetor na quantidade recomendada pelos fabricantes (vide infra), e por isso não obtém a totalidade dos seus benefícios, quanto maior o índice de proteção utilizado melhor… Mais vale pecar por excesso!
- No rótulo dos protetores surge geralmente um valor de PPD ou a designação “amplo espectro”. O que significa?
Amplo espectro significa que o protetor solar oferece proteção para os raios ultravioleta A e B (ambos nocivos para a pele) e que a proteção UVA é pelo menos 1/3 do fator de proteção UVB (isto é, o FPS). De facto, sabe-se, atualmente, que a radiação UVA, penetrando mais profundamente na pele, está implicada no envelhecimento precoce da pele, aparecimento de manchas e melasma, rugas e alergias solares, além de contribuir para a carcinogénese cutânea. Além do sol, também os solários (câmaras de bronzeamente) emitem UVA, e neste caso com uma intensidade 10 vezes superior aos raios UVA do que o sol. Os solários não são, por isso, seguros nem aconselhados!
Por isso, procure sempre no rótulo do seu protetor as designações “amplo espectro”, “proteção UVB e UVA” ou o PPD do produto.
O PPD (Persistent Pigment Darkening, ou Escurecimento Persistente do Pigmento) determina a proteção contra a radiação UVA e é testado num painel de pessoas expostas à luz UVA. É avaliado o tempo necessário para que a pele bronzeie e comparam-se os resultados entre a pele desprotegida e protegida. Assim, um PPD de 10 significa que demorará cerca de 10 vezes mais tempo para que a pele bronzeie, em comparação com a não utilização do protetor. O PPD pode aparecer em diferentes formatos:
- Numérico (ex.: 11, 17, 21, 28, etc.); o protetor deve ser, no mínimo, um terço do FPS, idealmente 10 ou superior (ex.: se FPS = 30, PPD deve ser 10).
- Estrelas (1 estrela = proteção baixa, até 5 estrelas = proteção ultra), mais usado no Reino Unido; o protetor deve ter, no mínimo, 3 estrelas (= proteção alta).
- UVA dentro de um círculo: amplamente usado na Europa, significa que o protetor oferece proteção UVA em proporção ao FPS (ou seja, atende ao requisito de “amplo espectro”), às vezes chamado de equivalência FPS. As diretrizes da União Europeia também sugerem que o comprimento de onda crítico do produto (comprimento de onda UV em que 90% da radiação UVA é bloqueada) seja de pelo menos 370 nm.
- Cruzes (varia de PA+, que equivale a PPD menor que 4 e confere proteção de 2-4 horas, até PA++++, que equivale a PPD > 16); o protetor deve ter, no mínimo, PA+++ (correspondente a proteção > 8 horas contra radiação UVA e equivalendo a um PPD > 8)
Protetores à resistentes à água são mesmo à prova de água?
Alguns protetores solares são mais resistentes à água e ao suor. Quando um filtro solar é resistente à água, ele permanece eficaz durante 40 minutos na pele molhada. Quando ele é muito resistente à água, permanece eficaz durante 80 minutos. A versão “muito resistente à água” é mais indicada para crianças e desportistas.
Em alguns países, para que um protetor solar possa alegar ser resistente à água o FPS não pode reduzir mais de 50% após dois períodos de imersão de 20 minutos. Noutros, o FPS que figura no rótulo deve ser aquele obtido após imersão em água. Alguns estudos mostram que em condições reais, em água salgada, água com cloro ou com ondas, a referida resistência demonstrada nos testes pode não se observar.
Um estudo mostrou que o FPS de um conhecido protetor solar internacional baixou 59% após 40 minutos de imersão na água.
Apesar da evolução tecnológica na conceção dos protetores solares, p. ex. com a utilização de polímeros que aumentam a adesão e resistência do produto, conferir aos fotoprotetores elevada resistência à água e ao suor, nenhum é 100% resistente em condições do dia a dia, ocorrendo sempre alguma perda de produto após o contacto com a água e situações de maior transpiração. Assim, e para garantir uma pele protegida, recomenda-se a reaplicação do protetor solar a cada duas horas e após mergulhos ou transpiração intensa, mesmo que não tenham passado as duas horas.
- Provavelmente já viu a designação HEV no seu protetor solar: sabe o que é?
Com a explosão tecnológica e a expansão dos mais variados gadgets, surge um novo e potencial agressor da pele: a High Energy Visible Light ou HEV Light. Esta luz visível de alta energia corresponde à radiação azul (380-500nm). Em particular, comprimentos de onda da radiação azul-violeta (380-440nm) são considerados potencialmente nocivos. LEDs, lâmpadas de xénon, lâmpadas de baixo consumo, radiação eletromagnética de tablets, smartphones, notebooks e outras telas digitais, e todas as “novas fontes de luz” criadas para melhorar e facilitar a nossa vida, contêm uma proporção mais alta de luz azul, do que as lâmpadas tradicionais, que pode ser tão maléfica como a luz solar.
Demonstrou-se que 48 horas de exposição a uma tela de computador correspondem ao mesmo nível de exposição de 20 minutos sob o sol do meio-dia. Assim, sem precauções e proteção adequada, a exposição a este tipo de luz pode:
- Causar danos no tecido cutâneo e inflamação, agindo diretamente no DNA celular e produzindo radicais livres;
- Desencadear/piorar doenças da pele caraterizadas por fotossensibilidade (ex. lúpus e rosácea);
- Estimular a melanogénese/pigmentação, fazendo surgir manchas acastanhadas, principalmente no rosto (melasma) e aumentando o risco de hiperpigmentação pós-inflamatória;
- Acelerar o envelhecimento da pele, com aparecimento de rugas e redução do colagénio;
- Alterar o ciclo natural de reparação da pele durante a noite.
O excesso de luz nas faixas UV e azul-violeta pode também causar lesões no olho, como inflamação dolorosa da conjuntiva e da córnea, lesões no cristalino (cataratas) e, sobretudo, na retina (degeneração macular).
Assim, existem hoje em dia PS com uma verdadeira proteção 360º contra a poluição ambiental digital e com ativos antioxidantes que visam prevenir o dano provocado pela luz HEV/azul. De referir, no entanto, que, segundo alguns autores, os antioxidantes tópicos não fornecem proteção contra a pigmentação cutânea induzida pela luz visível e a reivindicação deste efeito nos produtos pode ser potencialmente enganosa.
- Proteção contra a radiação infravermelha: faz sentido?
Pode ser que o seu PS também proteja contra a radiação infravermelha (IV). Os efeitos biológicos dos raios infravermelhos (RIV) na pele são mediados pelo stress oxidativo e/ou pelo calor, bem como pelo aumento da expressão de metaloproteinases da matriz dérmica (ex.: MMP-1), que degradam, efetivamente, o colagénio e promovem a formação de rugas. O aumento da formação de rugas foi claramente demonstrado em ratos sem pelos expostos à radiação IV; o aumento da expressão de MMP‐1 após exposição aos RIV e a sua prevenção pelo uso de filtros solares contendo antioxidantes também foi demonstrado em humanos.
Os dados publicados indicam uma relação entre RIV e fotoenvelhecimento, em particular a formação de rugas, mas nem a radiação IV, nem a luz visível, parecem estar diretamente associadas ao cancro da pele.
- Qual a diferença entre um protetor solar mineral (físico ou inorgânico) e um químico (orgânico)?
Existem diferenças claras entre protetores solares com filtros minerais e químicos, inerentes à sua composição (ingredientes ativos ou filtros incorporados) e ao modo como atuam. São também distintos relativamente à cosmeticidade/textura, segurança e método de aplicação.
Protetor solar mineral:
- Modo de ação: formam uma “barreira” física que reflete os raios UV, sem os absorver;
- Cosmeticidade: cosmeticamente mais desagradáveis (textura mais densa) e com efeito fantasma, embora cada vez mais aprimorados;
- Segurança: mais seguros, com menos risco de provocarem dermatite alérgica ou irritativa;
- Aplicação: pode ser efetuada apenas no momento da exposição solar;
- Composição (filtros ou ingredientes ativos): óxido de zinco, dióxido de titânio, óxido de ferro;
- Indicações: ideal para bebés > 6 meses, crianças, grávidas, pessoas com pele intolerante e sensível;
Protetor solar químico:
- Modo de ação: absorve a radiação UV transformando-a em radiação de baixa energia não prejudicial para a pele.
- Cosmeticidade: aplicação mais agradável já que têm uma textura mais fluída.
- Segurança: risco de dermatite de contacto alérgica ou irritativa na pele mais sensível.
- Aplicação: devem ser aplicados 30 minutos antes da exposição solar para a sua correta absorção.
- Composição (filtros ou ingredientes ativos): oxibenzona, octocrileno, avovenzona, octisalato, homosalato, octilmetoxicinamato, etc.
- Indicações: maioria das pessoas sem problemas dermatológicos específicos.
De referir que, a maioria dos ingredientes ativos protege bem contra a radiação UVB e inúmeros protegem também contra a UVA. Alguns são melhores na proteção UVA, como a avobenzona. Já o óxido de zinco tem uma proteção ampla, quer UVB, quer UVA. Entenda-se ainda, que muitos protetores são mistos, ou seja, contêm uma associação de filtros químicos e físicos para se obter um maior índice de proteção.
- Há questões relacionadas com a segurança dos protetores solares que sejam pertinentes?
Um estudo norte-americano de 2019 revelou que a absorção sanguínea de alguns filtros, como avobenzona, octilmetoxicinamato (octinoxato), oxibenzona, homosalato, octisalato e octocrileno, foi superior ao recomendado. No entanto, o real impacto deste achado não foi demonstrado.
Outros estudos mostraram que alguns filtros solares (ex.: oxibenzona, 4-metilbenzidileno cânfora e derivados semelhantes), bem como os parabenos (conservante) e os ftalatos (existentes nas embalagens de plástico), podem perturbar o funcionamento do sistema endócrino, ou seja, interferem com as hormonas. Estes desreguladores endócrinos podem mimetizar a atividade dos estrogénios, competindo pelos mesmos recetores. A oxibenzona tem um efeito xenoestrogénico e anti-androgénico em ratos, afetando os fetos e a fertilidade masculina. No entanto, nenhuma destas consequências foi, até ao momento, comprovada em seres humanos. De facto, uma equipa de investigadores, em 2011, calculou que para atingir a mesma quantidade cumulativa de oxibenzona que foi administrada aos ratos, em média, uma mulher teria que aplicar PS diariamente durante 34 a 277 anos, dependendo da quantidade de aplicações diárias. Na prática, estudos in vitro e em animais não são facilmente extrapolados para humanos.
Alguns filtros solares, como a oxibenzona, o octilmetoxicinamato e o octocrileno apresentam taxas de reação alérgica e irritativa elevadas. Os produtos de degradação da avobenzona causam taxas relativamente altas de alergia cutânea; a substância é instável ao sol, devendo ser misturada com estabilizadores.
Também foi comprovado que filtros como a oxibenzona e o octilmetoxicinamato podem causar danos nos delicados sistemas de recifes de coral e ser maléficos para a vida marinha. Os filtros nefastos podem chegar aos oceanos através de efluentes de águas residuais e diretamente de nadadores que utilizam os protetores solares. Estima-se que, todos os anos, 14 mil toneladas de PS vão parar aos oceanos.
Num estudo de 2️0️1️6️, os autores descobriram que os corais jovens expostos à oxibenzona e octilmetoxicinamato mostravam sinais de sofrimento, incluindo branqueamento (condição que deixa os corais vulneráveis a infeções e impede que obtenha os nutrientes necessários para sobreviver), danos no DNA e anomalias no crescimento e no esqueleto. Outros estudos descobriram que tais filtros são também prejudiciais para outros seres marinhos, como peixes, algas, bivalves, ouriços-marinhos e camarões.
Os termos ainda sem regulamentação “não prejudicial aos corais”, “sea friendly” ou “reef-safe” transformaram-se numa maneira das marcas designarem produtos que não contêm os ingredientes supracitados e são mais seguros para os ecossistemas subaquáticos.
Finalmente, o uso prolongado de PS facial tem sido associado à alopecia fibrosante frontal, principalmente em mulheres com história do seu uso prolongado no rosto, próximo da linha do cabelo. Até ao momento os dados não são conclusivos, mas recomenda-se que indivíduos que usem PS facial o ano inteiro evitem a sua aplicação em áreas com pelos, como as sobrancelhas e a linha do cabelo.
- Se aplicar um protetor solar 50+ estou completamente protegido do sol e não apanharei “escaldões”?
A aplicação do protetor solar é um complemento, e não um substituto, das restantes medidas de proteção solar, não sendo, por si só, suficiente para que nos mantenhamos seguros ao sol.
Nenhum protetor solar consegue filtrar 100% da radiação solar já que a maioria das pessoas não o aplica em quantidade suficiente nem o reaplica com a regularidade recomendada. Além disso, o produto degrada-se naturalmente com a exposição solar, e parte do protetor é removida com a imersão na água, a transpiração ou quando nos deitamos ou secamos com a toalha.
Adicionalmente à aplicação de fotoprotetor, são essenciais medidas como a utilização de roupa adequada (algumas têm FPS), chapéu de abas largas, boné, óculos de sol, a procura de sombras e a evicção da exposição entre as 11h e as 17h.
O protetor solar protege, de facto, no entanto lembre-se:
- O FPS deve ser ≥ 30 (proteção contra os raios UVB, principais causadores das queimaduras solares).
- Deve também proteger dos UVA, devendo o PPD ser, no mínimo, 10 ou um terço do FPS (protetor de amplo espectro).
- O produto deve ser aplicado cerca de 15-30 minutos antes do início da exposição.
- Deve ser aplicado de forma generosa; para um protetor com FPS 30 oferecer esse índice de proteção deveriam ser aplicados 2 mg de produto por cada cm2, coisa que pouca gente faz.
- Em cada aplicação deveriam ser gastos cerca de 35 a 45 ml (ou 7-9 colheres de chá) de produto em toda a superfície corporal: uma colher de chá na face e pescoço, duas para ambos os membros superiores, duas para o tronco e duas a quatro para os membros inferiores.
- Quanto mais fluído maior o número de camadas ou reaplicações. Os protetores em spray ou bruma dispersam-se mais facilmente no ar, especialmente em dias ventosos, devendo ser aplicados em maior quantidade e sempre espalhados uniformemente com a mão na superfície cutânea.
- O protetor deve ser reaplicado de 2 em 2 horas ou antes, se ocorrer imersão em água ou transpiração intensa.
- A aplicação deve ser particularmente reforçada nas zonas mais delicadas da face (regiões malares, nariz e lábios) e pescoço.
Acima de tudo, nunca utilize o protetor solar como uma ferramenta para prolongar ou permanecer ao sol por mais tempo e mais do que o FPS garante. Se acha que por aplicar o fotoprotetor de manhã pode passar o resto do dia ao sol, vai correr mal!