Dália Carneiro
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Poderia começar esta crónica por falar de Amarante, da sua beleza, da sua grandiosidade…
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Poderia também falar do meu grande amor por esta terra, que é a minha, e irei de certa forma fazê-lo, de uma forma ou de outra, ao longo desta minha colaboração com a BIRD Magazine, no entanto, creio que nada melhor que que ir às raízes, às minhas, para falar da minha “amarantinalidade”, que não tenho dúvidas, é genética, e que nos levará numa viagem no tempo, durante algumas edições.
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Um pouco da história da Família Carneiro, que se mistura com a história de Amarante, família que tanto deu a esta terra, que elevou Amarante, que levou o nome de Amarante aos quatro cantos do mundo, que honrou e dignificou Amarante, como tantos outros, mas como ninguém, começando, pelo fundador do Jornal Flor do Tâmega, o primeiro Jornal Regional do concelho e que foi fundado a 1 de dezembro de 1886.
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António Teixeira Carneiro, nasceu no dia 28 de fevereiro de 1844, na freguesia de Carvalhosa, Marco de Canaveses e veio viver para Amarante com três anos. Costumo dizer que não é de Amarante quem quer, é quem pode e que há pessoas que não tendo nascido aqui, são mais Amarantinos que muitos que aqui nasceram. O meu trisavô é um bom exemplo disso!
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Emigrou para o Brasil com 14 anos, em busca de uma vida melhor e contar-vos as vicissitudes e a sofrência da sua vida por lá, seria infindável. Foi uma viagem planeada para que quando chegasse a terras de Vera Cruz, alguém o recebesse e protegesse. Tal não aconteceu, com 14 anos, viu-se no Brasil, sozinho e sem ter para onde ir. Mas em todo o lado, há gente boa, e foi acolhido por um cocheiro, que lhe viria a arranjar trabalho em casa de um Conselheiro. Foi depois enviado por este para um engenho produtor de açúcar e aguardente de cana, onde dava a ração aos escravos e se encarregava de etiquetar as embalagens do açúcar. A sua competência era tal, que cedo foi promovido a encarregado do escritório do dito Engenho. Não era escravo, mas era visto quase da mesma forma, porque não lhe pagavam pelos seus serviços e no dia em que, dois a três anos depois, ousou pedir que o fizessem, foi-lhe negado. Não baixou os braços e saiu dali, indo para Santarém, nas margens do Amazonas e conseguiu estabelecer-se por conta própria, num negócio, que os brasileiros denominam de “armarinho”, vendendo fazendas, bijuterias, papelaria e muitas outras coisas… esse armarinho chamava-se “Ao Carneiro Vencedor”.
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Dizem que as palavras que proferimos ao Universo têm muita força e por isso devemos ser sempre positivos.
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Foi ousado, foi guerreiro, tinha convicção de que venceria para um dia regressar à sua Amarante e talvez daí o nome que deu à sua loja. Venceu, é verdade, e não minto se disser que foi em Santarém que viveu grandes amarguras, que o marcaram para toda a sua vida, referindo-se algumas vezes às “chagas adquiridas em Santarém”.
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Dali, alguns anos depois, foi para o Rio de Janeiro, onde mais uma vez se estabeleceu por conta própria, no sentido de amealhar algum dinheiro e poder regressar a Amarante.
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As saudades da sua terra eram imensas, e no seu diário, intitulado “Diário em Prosa e em Verso”, podemos ler, num poema datado de 1880,
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“Saudades da Pátria”
“Minha terra lá vem aparecendo
Por entre arvoredos escondida:
Oh! Que alegria que eu sinto
Ao avistar-te Pátria querida.
Não há terra como a minha
Tão linda e tão radiante!
Quem não te adora S. Gonçalo?
Quem não te ama Amarante?
Sou teu filho, amo-te muito;
Saudoso vivo longe de ti!”
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Voltou a Amarante em 1871 e em 1872, tendo regressado ao Rio de Janeiro nesse mesmo ano.
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Definitivamente regressou a Portugal, em abril de 1883, com a esposa, Alcina e 4 filhos, Pedro, Augusto, Fernando e Miquelina, prole que viria depois a aumentar, com Palmira. Não esquecendo que já era pai de António Carneiro Júnior, com quem não tinha contacto, fruto de um envolvimento furtuito aquando de um dos seus regressos a Amarante, nasceu em 1872, e acredito só tenha sabido do seu nascimento muito depois e quando o teve, foi procurá-lo onde se encontrava e trouxe-o para Amarante com ele.
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Era um homem de génio forte, ele próprio o dizia, ” tenho cá um génio, que me faz ver, ouvir e calar…”, um homem de sonhos, de paixões e foram tantas as que viveu, sem fazer disso segredo, dizia ” fui homem de muitas mulheres”. Um personagem este Homem!
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Quando regressou a Portugal, em abril de 1883, foi para Ansiães, por conselho de um compadre, que de lá era natural e lhe vendeu a localidade como a ideal. Ali comprou casa e se estabeleceu com negócio próprio, mas desiludiu-se mais uma vez, e pelo que consegui perceber, foi “burlado e espoliado” por quem o rodeava na tentativa de ficarem com tudo o que havia ganho, amarga e honradamente no Brasil. Veio assim, em 1885, para Amarante, com grandes percas, e estabeleceu-se na Rua 31 de Janeiro. A prole crescia e vendo que os recursos eram escassos, para lhes proporcionar uma vida digna, tentou um emprego público, mas não conseguiu.
Em boa hora lhe foi negado, porque se o tivesse conseguido, provavelmente hoje não estaríamos aqui a falar deste Homem!
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Perante a nega, e com a necessidade a apertar, lembrou-se de fundar um jornal. Comprou um “prelo”, uma pequena máquina para cartões, tipos, etc… e com a ajuda do seu filho Pedro, traria à luz do dia, a 1 de dezembro de 1886, o primeiro número do Jornal Flôr do Tâmega. O primeiro jornal de Amarante e dos mais antigos jornais regionais do país.
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Diz-se que foi um dia muito feliz para ambos, arrisco dizer e com conhecimento de causa, porque o vivi, também, anos a fio, que terão sido felizes todos os dias em que o jornal saía para as ruas, naquela altura ao domingo, porque um jornal, quando editado com amor, com paixão, com honra, é como um filho, e não importa que todas as semanas tenhamos “um filho” para colocar na “rua”, a alegria, o sentimento, o júbilo, é sempre igual.
Tenhamos em mente que nenhum dos dois, nem o meu trisavô António Teixeira Carneiro, nem o meu bisavô Pedro, percebiam alguma coisa de artes gráficas e o nível de estudos não era elevado, mas trabalharam afincadamente, tantas vezes madrugada dentro, para que o sonho e a esperança não se desfizessem. Árdua e felizmente, conseguiram-no!
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Mesmo com o jornal, os problemas económicos não se findaram. Trabalhavam afincadamente no jornal, em trabalhos tipográficos, mas os recursos continuavam escassos. Assim, António Teixeira Carneiro, dedicou-se também à fotografia, outra das suas paixões, e são dele muitas das fotografias mais antigas de Amarante. E aí, mais uma vez visionário, viu oportunidade de negócio e reproduziu-as em bilhetes postais, que correram mundo, tanto como missivas, como também reproduzidas em diversas publicações, nacionais e internacionais, levando mais uma vez Amarante ao conhecimento do mundo.
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Não foi fácil, mas com trabalho, persistência, dedicação, idoneidade, verdade, conseguiu seguir em frente.
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Anos depois e já cansado de uma vida jornalística, na qual se meteu sem qualquer preparação na arte tipográfica e literária, decidiu retirar-se e deixar tudo nas mãos do seu filho Pedro Carneiro, que com ele estava desde o primeiro minuto e dedicar-se à fotografia, arte que amava.
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Faleceu, na freguesia da Madalena, Amarante, no dia 3 de janeiro de 1926.
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É esta, resumidamente, a história de António Teixeira Carneiro, que no dia 28 de fevereiro de 2015, foi homenageado pela Câmara Municipal de Amarante, com a atribuição do seu nome a um dos lugares mais bonitos da nossa cidade, Calçada António Teixeira Carneiro, aquele magnífico espaço, na margem direita do Tâmega, e que fica entre as duas pontes, no coração da cidade, junto ao Tâmega que amava.
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Quando por ali se quedarem, num aprazível passeio, recordem o homem que dá nome a essa Calçada e deslumbrem-se com a paisagem.