Este quarto vazio, cujo soalho abanava a cada um dos meus passos, era como um horrível caixão cheio de gretas […]”.
In “Fome” – Knut Hamsun (1890)
Anabela Borges
Agosto. Vem um frio no rosto.
Não um frio de temperatura. Não um frio de intempérie. Um frio de vazio. De melancolia. De angústia. Desassossego.
Terminei a leitura do livro “Fome”, de Knut Hamsun, e fiquei com dor no estômago, levei um murro no estômago, e subiram-me agonias – das vísceras à boca –, numa água amarga, nauseabunda. Pensei horrorosamente em quanta fome, miséria e devastação virão ainda assombrar o mundo. Todos os dias: ontem, agora, depois. Os campos vazios, os silos vazios, os corações vazios. Tudo vazio.
A Humanidade caminha doente, enferma dos sentidos. Vive sem emoções, vazia por dentro.
Os dias começam a minguar. E o festim de pássaros, no velho pinheiro, pela manhã, é tão barulhento que eu percebo a urgência em viver o Verão, até ao último cartucho. No seu vôo liso de penas azuis, o gaio repete as palavras “o Verão está a acabar.”, e os corvos dão aquela inusitada gargalhada “CROW!”. Sempre aprendo algo de útil na linguagem sábia e sobressaltada dos pássaros. Porque quero aproveitar o Verão até ao fim, a estação da vida – claridade, energia, tempo livre.
As manhãs são lentas. Bebo a minha água. Tomo o meu café. E deixo o dia avançar no rolo incessante das horas. O calor vai sendo muito, que é, sinceramente, o que mais quero no Verão: luz, calor, chinelo no pé. Descanso. Leitura. Silêncio. Mar. Introspecção. E o meu amor comigo.

O meu signo diz, “blá-blá-blá. Não veja isso como um retrocesso. Faça uma pausa e foque-se em si por um momento”. E eu penso que os signos podem ser só treta, “blá-blá-blá”, mas às vezes servem para nos lembrar as coisas mais básicas da vida, como respirar; como se fosse um pequeno manual de auto-ajuda, dia-a-dia. Preparo a minha agenda para o próximo ano – Agosto a Agosto: compro um caderno preto de notas Moleskine, de folha lisa; vou ao Pinterest, escolho um tema e imprimo. Depois é um corta e cola que me dá um tremendo gosto de fazer e me relaxa. Este ano, escolhi o tema “quatro estações”. Nunca encontrava a agenda “perfeita”. Queria tudo em um. Fiz. Ficou linda.
As tardes são, por vezes, de um vento impossível. O tempo vai seco e o ar fica tomado de pó, nevoento e ácido. Tenho o escritório arrumadinho, que dá gosto. É preciso uma arrumação mais profunda, deitar mais coisas fora (dossiês, papéis…), mas é preciso coragem e essa coragem só vem para aí de dez em dez anos. Porque uma arrumação dessas é também, a um nível mais profundo, espiritual: é também uma arrumação da mente, dos sentidos, desapego.
Tenho fotografado a Lua crescente, todas as noites, e encanto-me com o seu encanto de Lua dourada de Agosto. Fico um tempo a observá-la e a sonhar com coisas de Verão, como só é possível sonhar em sonhos-de-noites-de-verão, “O amor não vê com os olhos, vê com a mente; por isso é alado, é cego e tão potente.” (William Shakespeare). Agora só sonho com o meu amor, com o seu regresso. Faz-me falta o seu bom humor, o seu calor, o seu colo. Saudade. Imagino como estamos tão longe, em lugares tão distintos do planeta, e a mesma Lua, o mesmo céu de estrelas, nos cobre.
É Verão. Quero vivê-lo.
Como eu gostaria de pôr uma (enorme) pedra sobre o assunto, ainda que não saiba concretamente qual é o assunto! Uma pedra bem pesada. Fechar os olhos, respirar e descansar.