Regina Sardoeira
Amor, amor, amor, o que é o amor, não há como responder, porque não há outra palavra para simbolizar o que, feito sentimento humano, estabelece uma ruptura feroz entre o conceito e a expressão. Chamar-lhe-ia antes egoísmo, ou a necessidade de agarrarmos um outro, chamar-lhe-ia narcisismo, ou o desejo de termos um espelho, no qual nos víssemos sempre a nós mesmos, nos olhos do outro, chamar-lhe ia miséria, porque é carência de um outro, sem o qual nos sentimos meios, chamar-lhe-ia luxúria porque não resiste ao derrame dos fluidos carnais e ao apelo dos impulsos mais básicos, chamar-lhe-ia posse, porque desde que dizemos amar, acorrentamo-nos a outrem e obrigamo-lo a acorrentar-se a nós, chamar-lhe-ia loucura porque acreditamos que com o outro vamos conseguir a união perfeita, a simbiose, o encontro… ah o amor, que não o é, porque não resiste aos encontrões da diferença e da individualidade, ao aguilhão do despeito, à bizarra manifestação do ciúme, ao tédio dos gestos rotineiros, ao sorriso dos outros e à partilha, à distância do pensamento e do corpo… o amor que substituímos com a facilidade de trocar peças de vestuário, o amor que cantamos hoje a um e amanhã a outro, quantas vezes usando a mesma melodia gasta, o amor eterno que se esboroa nuns míseros dias, o amor verdadeiro que espeta, quando pode, a farpa da mentira no corpo do amado, o amor puro empestado de mesquinhos pensamentos recônditos, o amor elevado, enterrado dia a dia numa espécie de lama turva, o amor santificado e logo entregue aos poderes satânicos, amor viúvo, amor traído, amor encurralado, amor esquecido e violado, perdido e escorraçado…Ah como eu gosto de olhar as faces felinas dos meus animais de estimação e ter a certeza que eles não me amam e que tão-pouco o fingem, porque não sabem, nem podem jamais aprender, a arte maldita da astúcia dos homens!