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Cidadania e Sociedade

NOS PASSOS DE AGUSTINA

Dentro de poucos anos o mundo será um imenso hospital sem possibilidades de atendimento, sem recursos para ser gerido convenientemente. As pessoas, aprendendo o medo como uma lei social, vão dedicar-se à doença como não se dedicam ao amigo e aos parentes.”

[Agustina Bessa-Luís, In: Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, 2008]

Anabela Borges

O mês de Outubro foi, pela minha parte, e no que toca a leituras, inteiramente dedicado a Agustina Bessa-Luís, já que este é o mês do centenário do seu nascimento.

Aqui deixo um apanhado de actividades dedicadas às leituras que fiz, aos livros, aos percursos – das letras, das palavras, dos passos de Agustina.

Lancei o desafio #leragustina, percorri os caminhos de Agustina como se se tratasse de um caminho de peregrinação. Eu, peregrina, totalmente entregue a Agustina, musa maior das letras portuguesas.

Com a Stay to Talk (Instituto de Imersão Cultural), embarquei na Conferência Andante. Esta foi uma conferência diferente, com a dinâmica da literatura andante, literatura de turismo, literatura do viajante. Foi esta uma forma inovadora de ler as obras de Agustina – em diferentes lugares, os lugares de Agustina, seguindo as palavras e os passos de Agustina. Todo o percurso foi mediado por ela – Agustina Bessa-Luís. Até o tempo foi diluvioso, como dia em que nasceu: “Não nasci de padecimentos, mas de maneira sossegada. Ouvi cantar a chuva nas janelas, e um palhacinho vestido de seda, caixa de música que movia um guizo alegre e melodioso, deu-me as boas-vindas.” [In: Anto, n.º 1, Amarante, Primavera, 1997].

Iniciámos a visita no Mosteiro de Travanca, lá junto da pia baptismal, lá, no lugar que Agustina chamava de a sua “sala de receber”. O mosteiro está em agonia, tomado pelo tempo, a gritar por uma renovação (como estava no passado, antes de uma grande reconstrução): “Já despido de brumas, ao sol da manhã de Outubro, guardava uma sentenciosa face sem glória, as janelas rebentadas e ramos de amieiro a ferir-lhe o velho reboco cinzento”. [In: “O Mosteiro”, A B-L].

Percorremos as estradas de Travanca, seguindo a muralha, enamorando o românico e as paisagens ímpares, até chegarmos à Rua Agustina Bessa-Luís, a rua com o seu nome, que, por sua vez, nos transporta à singular Rua do Paço. Aqui as emoções afloram, de imediato, à pele – lágrimas de emoção na Quinta do Paço, ali mesmo: “Há uma data na varanda desta sala”, e ali estava “1813”… [In: “A Sibila”, A B-L]. Ali as águas mansas do tanque, ali a fonte, ali a ramada, ali o lajedo de pedra da eira, o espigueiro, a casa, os campos, as vessadas… A Sibila ali, a Quina-sibila-Agustina ali… que emoção que é caminhar nos paços/passos de Agustina.

Da casa do Paço, Travanca, partimos para outra terra amarantina de igual beleza: Vila Meã, terra de belos costumes e belas gentes. Fomos primeiro à casa de Santa Cruz, onde revimos a relação de Agustina com a família do Visconde Sousa Soares; a evocação do Brasil e a botica; a invenção do cambará por um vilameanense; e a viagem no passado continuou, até ao largo da feira com os leitões cor-de-rosa; o apeadeiro e o comboio, que passou por ali só para dar um ar da sua graça.

Rumámos então à casa onde Agustina afirma ter nascido, mesmo ao lado da Botica e quase em frente ao polo da Biblioteca Municipal Albano Sardoeira. A casa está entregue às agonias do tempo, dotada ao abandono, tal como a Casa de Santa Cruz, tal como a Botica, tal como o mosteiro… Ali, à porta da casa, junto das escadas de grades enferrujadas, lemos, uma vez mais, as palavras da autora, evocámos Agustina, no preciso instante em que a chuva, como brincando alegremente por entre as nuvens, deu uma pequena aberta, para estarmos ali, por um momento, tranquilos, acolhidos naquelas palavras, naqueles caminhos, naquelas escadas de pedra… “Em Vila Meã, na rua principal e coração da vila, eu nasci num domingo de chuva, às seis horas da tarde. A casa tem fachada que parece anexo do mosteiro de Las Huelgas, de tão ampla e solene. Ali vi o dia, que era, como disse, de chuva pegada. Ainda hoje gosto da chuva e quanto mais diluviosa melhor.” [In: Anto, n.º 1, Amarante, Primavera, 1997]

Da casa, fomos para a biblioteca, terminar a Conferência Andante, com uma conversa animada sobre Agustina. No aconchego final daquele abrigo e um delicioso café, depois das chuvas torrenciais (diluviosas, afinal), que duraram a manhã toda, reencontrei o meu querido professor Francisco Topa e fui chamada a dar o meu testemunho – de leitora, eterna estudiosa de Agustina, amante, promotora de leituras várias, momento de partilha pelo qual estou grata.

Quanto ao desafio de Outubro, estou-vos muito grata por terem entrado nesta aventura. Não é fácil ler Agustina. A sua escrita é densa, com muita de informação, ironia, crítica social e personagens cheias de carácter. Alguns dos participantes no desafio estão a #leragustina pela primeira vez. Isso é louvável e fundamental para continuarmos Agustina.

Esta foi, está a ser e continuará a ser uma inesquecível experiência de viagem-leitura!

Cada terra é fechada como uma noz verde, e não se pode alcançar o seu mistério tão simplesmente.” [“Dicionário Imperfeito”, “Alma dos Lugares”, A B-L]. Descoberta!

100 anos de Agustina.

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