Cultura, Literatura e Filosofia

O REGRESSO DAS CHUVAS

Soni Esteves

Tempo fez de mim morada sua

Enfeitou de raízes e seiva, as paredes
Como um quadro.

Riu comigo e de mim,

Escondeu relógios e espelhos,

Veloz e arrastado,

Perdulário e avaro

Foi o tudo e o nada.

Encurtou-me os dias como se eu fosse bainha rota

de vestido desusado,

Estendeu as horas com molas de roupa

E deixou-as ondular em noites de insónia.

Jogamos aos dados

E ganhou sempre

o Tempo.

 

Já não há andorinhas nos beirais,

e nas vidraças gastas já não espreita o sol nas madrugadas.

O Tempo deixou aberta a porta de tinta descarnada

por sobre a soleira, onde o meu gato

(se eu tivesse gato)

deveria descansar nas tardes soalheiras.

 

Mas hoje a chuva fez regresso

e lavou nas telhas as cinzas quietas

das fogueiras do meu último inverno.

 

Já não faço corridas com o Tempo,

de que serviriam…

mas vou ensaiar o jogo dos dados.

Talvez não ganhe, mas dou luta.

E depois…

talvez um gato me adote

quem sabe…

E espere comigo pelo Tempo

na soleira dos meus dias.

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