Regina Sardoeira
Escrever?
Sim, escrever porque não temos púlpito onde falar e a voz que deveria sair natural e espontânea quebra-se num cicio incoerente, perante o arrazoado dos que detêm o altifalante.
Altifalante. reparem, esta palavra é insípida e nada literária: e no entanto era dele que precisávamos nós todos, nós que percebemos o vácuo na plenitude do fraseado dos outros, esses que enfunam o peito e pigarreiam nervosamente para que não se perca um átomo de sentido. Mas que sentido? Oiçam bem os que berram pelo altifalante oiçam-nos e digam: que sentido? Nada, nada acrescentam ao já dito, nada apresentam que permita lobrigar ao fundo de qualquer túnel, qualquer beco com saída ou sem saída, porque de facto tanto faz uma luz ou uma cascata ou uma lufada de ar não contaminada. É que não existem luzes cascatas ou lufadas de ar não contaminados a infestação deu-se há séculos e nenhum antídoto foi criado ou sequer pensado para deter a derrocada final e absolutamente imparável; a derrocada que pode bem já ter acontecido, apesar de sentirmos que vivemos e olharmos o amanhã, como se dele pudesse vir alguma coisa.
Escrever? Talvez nem isso faça qualquer diferença porque ler já não é o que foi antes. ler é um mergulho solipsista na imagem sombria do indivíduo confinado a si e à sua própria miséria pessoal.