Dália Carneiro
O Tâmega, foi um dos meus melhores “amigos” de infância, meu e de tantos como eu, que ali aprendemos a nadar, que ali passavamos horas e horas a brincar, a descobrir todos os seus “segredos”, conversar com amigos a fazer novos amigos. Nós, os que crescemos junto ao rio, conheciamo-lo como ninguém, as nossas férias eram passadas ali, passavamos o dia todo no rio e só regressavamos a casa, já a noite ia alta. Sim, foi uma infância e adolescência muito feliz. Ouso dizer, quando o rio era rio e podíamos desfrutar dele de uma forma que hoje é praticamente impossível.
Mas isso “são outros quinhentos” e daria “pano para muitas mangas”, que é como quem diz, “muita areia para tanta água”.
Não escondo a minha paixão pelo meu” rio. Cresci com ele “aos pés”, tenho o privilégio de morar entre as duas pontes, no meio de um cenário encantador.
É sem dúvida, a minha fonte de energia. Seja verão ou inverno, a primeira coisa que faço ao acordar, é abrir a janela e olhá-lo. No final do dia, não dispenso, por poucos minutos que possam ser, sentar-me à janela a ouvi-lo. A serenidade do correr das águas, o coaxar das rãs, o chilrear dos pássaros, a elegância da garça, o voo raso do corvo marinho… é indescritível. Mas gosto igualmente do barulho das águas revoltas, do seu correr desenfreado, da sua “fúria”, do seu “cantar”…
E é dessas águas revoltas, desse correr desenfreado… do aumento do caudal nos meses de inverno que queria falar um pouco.
Todos sabemos que quando chove e chove muito, o caudal do rio aumenta, todos sabemos que há risco de cheia, todos sabemos que apesar das duas barragens do Tâmega, a jusante, a Barragem do Torrão (1988) e a montante, a Barragem de Daivões (2022), o risco de cheia continua a existir, porque se há algo que deveríamos saber é que a natureza, por muito que o homem a queira controlar, é incontrolável.
A população ribeirinha é sempre a mais visada, a que corre mais riscos, a que tem que salvaguardar os seus bens quando o nivel das águas começa a subir. Até aqui, não há novidade nenhuma!
Novidade é, quem já viveu esta situação inúmeras vezes, esteja à espera que a Proteção Civil venha dizer que está a chover e que o rio pode subir, porque se não o fizerem são “estes e são aqueles”, mas se o fazem, PORQUE O FAZEM, continuam a “ser estes e aqueles”, porque deveriam controlar e não deveriam permitir que as águas subissem.
Este inverno, o Tâmega já ameaçou galgar as margens, tendo até acontecido em algumas zonas, mas aqui, na margem esquerda, “do lado do Arquinho”, ficou a escassos 20cm.
Do dia 29 de Dezembro ao dia 1 de Janeiro, foi uma preocupação constante. A Proteção Civil já tinha andado a avisar uns dias antes, porta a porta, para esse risco. Se alguns ouvem e agradecem, outros, eu recuso-me a repetir o que vou ouvindo, porque até tenho vergonha.
Mas há uma coisa que eu tenho de dizer, estas gentes daqui, da minha rua, têm muito a agradecer à Proteção Civil e ao Município. Porque eles deram-se ao trabalho de vir avisar o óbvio, porque perderam horas e horas de sono para vigiarem o rio de madrugada, hora a hora, enquanto os maiores interessados dormiam descansados, porque sabiam que estavam à distância de um telefonema e seriam avisados para virem retirar as coisas a tempo. Porque tudo fizeram para que dentro do possivel do controle da mão humana sobre a natureza, tudo fosse feito para que rio não viesse à rua. É um trabalho silencioso, que não se vê a olho nu, só os capazes conseguem vê-lo, não está de facto ao alcance de qualquer um. Mas asseguro-vos que não foi pouco, nem fácil o trabalho que foi feito durante esses dias.
Quando no dia 1 de Janeiro, o rio estava a subir desmesuradamende, 10 centímetros a cada 10 minutos, a ameaçar galgar a margem de uma forma demasiado evidente, apesar de tudo o que estava a ser feito nos “bastidores”, não havendo garantias de que não pudesse galga-la e quais as proporções que poderia tomar, a Proteção Civil, mais uma vez, avisou, para que viessem e pudessem retirar as coisas em caso de necessidade. Eu sei que era “dia santo”, que era dia de estarem em casa descansados, com a família, o que quiserem que fosse… mas era necessário, porque, por acaso houve a “sorte” de o rio ter estabilizado e não ter subido mais, mas poderia não ter sido assim.
Para aqueles que disseram que só foram chamados para fazer uma “reunião de condomínio”, eu digo, pegando num exemplo real, se nessa noite, a Proteção Civil de Chaves, tivesse tido o zelo que tem a Proteção Civil de Amarante, os comerciantes da zona ribeirinha daquela cidade, não tinham sido surpreendidos pela manhã com as suas lojas inundadas e com prejuízos avultados.
Talvez pudessem ter aproveitado a “reunião de condominio”, não para criticar por terem sido arrancados do “sofá”, mas para agredecer à Protecção Civil, na pessoa do dr. Helder Ferreira e ao Município, na pessoa do seu presidente, dr. José Luís Gaspar, que também podiam estar no “sofá”, mas estavam ali, à beira rio e trabalharam o dia todo para que o desfecho pudesse ter sido o melhor para todos. E sim, também era feriado para eles, também era dia de estarem com a família!
Tudo isto, digo eu, que até gosto de ver o rio subir, de ver e ouvir as suas águas revoltas… a “beleza do perigo”, como me dizia um amigo.