Cultura, Literatura e Filosofia

NIETZSCHE

NIETZSCHE

Hoje pedi a Friedrich Nietzsche um texto do seu imponente livro “Assim Falava Zaratustra”. Não tenho nada a acrescentar e até seria um enorme atentado à beleza destas palavras dizer sobre elas fosse o que fosse. Será, então, esta a minha crónica desta semana.

DO AMIGO

     ”  «Tenho sempre junto de mim uma presença importuna», pensa o solitário.. Sempre uma vez um acaba por fazer dois, com o tempo.

       Eu e Mim estão empenhados num diálogo demasiado veemente. Como seria ele suportável, se não houvesse o amigo?»

       Para o solitário, o amigo é sempre um terceiro; o terceiro é o flutuador a impedir o diálogo dos dois de se afundar nos abismos.

      Ai de nós! há sempre demasiados abismos para todos os solitários. Para isso têm eles uma tal sede do amigo e da sua elevação.

      A nossa fé em outrem trai o que desejariam poder crer acerca de nós próprios. Trai-nos o desejo que temos de um amigo. E muitas vezes a amizade apenas serve para superar a inveja. E muitas vezes apenas se ataca e se faz um inimigo para esconder que se é vulnerável.

     «Sê, pelo menos, o meu inimigo!» – assim fala o verdadeiro respeito que não ousa solicitar a amizade.

      Se queremos ter um amigo, é necessário que queiramos também bater-nos por esse amigo; e, para nos batermos, é necessário que possamos ser inimigo. É necessário honrar no seu amigo o próprio inimigo. Poderás chegar junto do teu amigo sem passares para o seu campo?

      É necessário ter, no seu amigo, o seu melhor inimigo. É ao resistires-lhe que estarás mais próximo do seu coração.

      Não queres usar véu algum para o teu amigo? Pensas honrá-lo ao mostrares-te a ele tal como és? Mas, como agradecimento, ele manda-te para o diabo.

      Aquele que nada dissimula de si excita a nossa indignação; eis porque vos é tão necessário temer a nudez. Se fôsseis deuses, então sim, seria do vosso vestuário que teríeis vergonha.

      Por mais que faças, nunca estarás suficientemente adornado para o teu amigo.

      Já viste dormir o teu amigo, a fim de o conheceres tal como ele é? Qual é então o rosto habitual do teu amigo? É o teu próprio rosto visto num espelho grosseiro e imperfeito. Já viste dormir o teu amigo? Não tiveste medo ao vê-lo tal como ele é?

      É necessário que o amigo seja mestre na arte de adivinhar e se calar; sabe primeiro se o teu amigo deseja a tua piedade. Talvez ele ame em ti a pupila impassível e o olhar da eternidade. Que a tua piedade pelo amigo se dissimule sob uma dura casca; quebra um dos teus dentes nessa piedade; só então ela poderá ser delicada e doce.

       És, para o teu amigo, ar puro e solidão, e pão, e remédio salutar? Alguns houve que, não conseguindo quebrar as suas próprias cadeias, souberam no entanto libertar os seus amigos.

       És um escravo?  Não poderás ser amigo. És um tirano? Não poderás ter amigos.

       Por demasiado tempo se ocultaram na mulher um escravo e um tirano disfarçados. Eis porque não é ainda a mulher capaz de amizade: ela apenas conhece o amor.

       Há injustiça no amor da mulher, e cegueira em relação a tudo o que não ama. E, mesmo no amor iluminado da mulher, existe sempre ao lado da luz, a surpresa, o relâmpago e a noite.

       A mulher não é ainda capaz de amizade. Mas dizei-me, homens, qual de entre vós é capaz de amizade?

       Ai de mim, que pobreza a vossa! E como é grande a parcimónia das vossas almas! O que dais ao vosso amigo estou eu pronto a oferecer ao meu inimigo; e não me sentiria por isso mais pobre.

      A camaradagem existe: possa a amizade nascer!”

 Friedrich Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Editorial Presença,

#Nietzsche#assimfalavazaratustra#do amigo

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