Regina Sardoeira
Hoje decidi escrever sobre um tema científico e filosófico e que é designado há vários anos, pelo menos desde 2013, como Dataísmo.
Vou citar: “No seu livro Homo Deus, de 2016, Yuval Noah Harari aprofunda a ideia de Dataísmo, enquadrando-a num contexto histórico. Argumenta que todos as estruturas políticas e sociais podem ser vistas como sistemas de processamento de dados: “O Dataísmo declara que o universo consiste em fluxos de dados e que o valor de qualquer fenómeno ou entidade é determinado pela contribuição que dá para o processamento de dados”.
Harari expande o significado do termo: um dataísta é alguém que confia mais no Big Data e nos algoritmos de computador do que no conhecimento e sabedoria humanos. Harari postula que “podemos interpretar a espécie humana, na sua globalidade, como sendo um sistema de processamento de dados integrado, em que cada ser humano funciona como um chip, uma unidade de processamento do sistema.” Argumenta depois que toda a história da humanidade pode ser entendida como um processo de melhoria da eficiência desse sistema, pelo aumento do número e da variedade de processadores/chips do sistema (os seres humanos), pelo aumento do número de interligações entre os processadores e pelo aumento da liberdade de comunicação que flui através dessas interligações. Uma explicação condensada deste argumento pode ser lida no artigo que Harari escreveu para a Wired em 2016.
Harari afirma que o Dataísmo, tal como qualquer outra religião, tem mandamentos práticos. Um dataísta deve querer “maximizar o fluxo de dados, interligando-se cada vez mais” e acredita que a liberdade de informação é “o bem supremo”. Harari afirma também que Aaron Swartz, que se suicidou em 2013, depois de ser processado por ter divulgado gratuitamente centenas de milhares de artigos científicos da base de dados online do JSTOR, poderá ser o “primeiro mártir” do Dataísmo.
Num artigo para o Financial Times, Harari argumentou que o Dataísmo representa um desafio existencial para o Humanismo, a ideologia moral dominante da actualidade, que considera que os sentimentos humanos são a fonte de autoridade no mundo: “o humanismo está agora a enfrentar um desafio existencial e a ideia de ‘livre arbítrio’ está a ser fortemente ameaçada… Quando os sistemas de Big Data me conhecerem melhor do que eu próprio me conheço, os seres humanos perderão poder para os algoritmos.” Harari prevê que a conclusão lógica deste processo é que os seres humanos acabarão por dar aos algoritmos o poder para tomarem as decisões mais importantes das suas vidas, tais como com quem casar e que carreira profissional escolher.”
Este texto foi o resumo possível de uma parte do livro “Homo Deus, A brief History of Tomorrow”, um livro que comprei em Outubro, no aeroporto de Genève, na Suíça, e que vim a ler, com profundo interesse, durante a viagem para Portugal. Mais tarde, pensei neste momento do livro e associei-o vivamente a certos casos de que oiço falar nos quais se dá a relação sexual online, através de câmaras de telemóvel. Percebi que os que assim se envolvem não passam, efectivamente de “dados”, “algoritmos”, no trânsito de uma relação humana que julgam estabelecer, mas não tem quaisquer contornos de humanismo. É tudo técnico, automático, como as equações informáticas, os dados computacionais. a abstracção lógico-matemática. Funciona nas linhas da câmara do telemóvel, sem sentimentos (os dados, os algoritmos não têm sentimentos), sem emoção, uma mera execução em que um dos dados se excita, a si mesmo, sexualmente, envia dados para o outro, no sentido de conferir intensidade à excitação, e para levá-lo também o desejo e depois esvaziam, cada um a seu modo, outro dado que é o respectivo órgão sexual e vão dormir. A seguir, não há mais nada a dizer ou a fazer. Os dados são neutros, meras informações, simples elementos de uma fórmula e muito mais que será moroso citar, e logo, como não há sentimento ou emoção associados, esgota-se o fluxo informático. Esta descoberta que fiz. interseccionando o livro de Harari com a prepotência cada vez mais óbvia das relações virtuais, justifica plenamente que numa grande parte dos casos (provavelmente haverá já estatísticas, mas não as sei) as relações outrora corpo a corpo, face a face ou humanas se converteram numa troca de imagens sensuais ou sexuais, muito poucas palavras e nenhum contacto de carácter físico.
A segunda parte da “relação” com o dado e logo a que se consuma através do corpo, dos sentidos, da mente e das emoções não é, de todo, necessária.
Logo, os envolvidos no jogo virtual são, meramente, dados, sem substância, sem corpo, sem matéria física, sem emoções ou sentimentos pelo que, terminado o jogo, não há mais nada a dizer.
O dataísmo, essa imagem presente no nosso mundo, em que a comunicação se faz, cada vez mais à distância, em que cada pessoa é um número, um algoritmo da grande base computacional que define o universo, permitiu-me bruscamente compreender o mundo em que vivo.
E, de repente, consinto em aceitar a interpretação que muitas pessoas fazem de que a designada pandemia e o vírus que afectou a vida humana durante, pelo menos, dois anos, foi um embuste criado por certas elites que dirigem o mundo e desejam transformar os seres humanos em zombies, amedrontados e obedientes, prontos a fazerem tudo o que os chefes mandarem. A filosofia dessa pandemia encerrou as pessoas em casa, isolou-as uma das outras, com receio do contágio, mascarou-as, tirando-lhes a verdadeira expressão facial, fez com que trabalhassem à distância, através de plataformas digitais, instalou no mundo humano a eminência dos dados, em lugar das pessoas. E depois obrigou toda a gente a vacinar-se, para, eventualmente, acentuar essa tendência, dar plena aceitação à preferência do virtual sobre o real, introduzindo, na fórmula da injecção aplicada, um produto de formatação, capaz de criar o novo homem: o dado, o algoritmo, sem sentimentos, sem emoções, sem autonomia. Portanto, nada do que o cientista e filósofo Harari analisa, no seu livro Homo Deus, é uma simples teoria: já está efectivamente instalada e gere as condutas das pessoas que escassamente são pessoas e que escassamente são humanos. E é por isso que cada vez mais há distúrbios psicológicos e a corrida aos antidepressivos, aos relaxantes, aos hipnóticos e indutores do sono: o que resta de humano nos homens ainda quer reconquistar a sua integridade, ainda quer voltar ao passado, ainda quer sentir e emocionar-se, ter alegria ou tristeza, como dantes. E fica doente porque luta contra moinhos de vento, como o D. Quixote de Cervantes. Porque esses moinhos de vento são implacáveis e resistem às investidas da pobre e fraca lança do cavaleiro enlouquecido. Sim, somos cavaleiros enlouquecidos que querem derrubar gigantes, sozinhos, montados num Rocinante esquelético, com um escudeiro analfabeto que não compreende o que estamos a fazer. Sim, o escudeiro de D. Quixote, o Sancho Pança da história, representa o senso comum, esse, que não vê gigantes, mas moinhos de vento, esse, que não vê formosas Dulcineias a conquistar, mas somente camponesas sem graça, que troçam do cavaleiro.
Somos dados, uns perante os outros, ou algoritmos, e, quando certos (já) pseudo-humanos usam a câmara do telemóvel, um e o outro vão accionando comandos: A (acende a luz, tira a roupa) + B (põe-te nesta e naquela posição para eu te ver) + C (coloca o telemóvel em frente ao teu sexo) = D (vou ejacular, queres ver?)
É isto, grosso modo, um cenário possível entre outras, também possíveis, variantes. Nesta equação encontra-se o programa completo que um e o outro – os programadores – querem realizar, e que é somente, o que lhes interessa no momento e possivelmente em todos os outros.
Desde o instante em que se me tornou clara esta nova concepção do homem, reduzido a um algoritmo e, provavelmente, sentindo-se confortável com relações assépticas por onde não transitam os sopros dos corpos de outrem, senti um certo desconforto: se o mundo já é assim, como será o tempo que há-de vir em que as máquinas serão os receptáculos da inteligência e consciência humanas, despojadas por completo do que, hoje, ainda nos torna humanos?
Já tenho alguma piedade das crianças.
#Harari#Homo deus#dataísmo#algotitmos#homens